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A Cidade E As Serras - 6 Prt
(anabordin)

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O
bom caseiro sinceramente cria que, perdido nesses remotos Parises, o senhor de
Tormes, longe da fartura de Tormes, padecia fome e minguava... E o meu
Príncipe, na verdade, parecia saciar uma velhíssima fome e uma longa saudade da
abundância, rompendo assim, a cada travessa, em louvores mais copiosos. Diante
do louro frango assado no espeto e da salada aquele apetecera na horta, agora
temperada com um azeite da serra digno dos lábios de Platão, terminou por
bradar: - "É divino!" Mas nada o entusiasmava como um vinho de
Tormes, caindo do alto, da bojuda infusa verde - um vinho fresco, esperto,
seivoso, e tendo mais alma, entrando mais na alma, que muito poema ou livro
santo. Mirando, à vela de sebo, o copo grosso que ele orlava de leve espuma
rósea, o meu Príncipe, com um resplendor de otimismo na face, citou Virgílio:-
Quo te carmina dicam, Rethica? Quem dignamente te cantará, vinho amável desta
serras? Após o jantar, ambos ficaram contemplando o céu cheio de estrelas,
passaram a ver os astros que na cidade não se dignavam ou não conseguiam
observar. O narrador ia-se deixando levar por um contato tão estreito com a
paisagem, que em breve surgia uma identificação total do homem com a natureza e
em tudo percebia-se Deus, num claro processo panteísta muito comum entre os
romântico e que Eça passou a assumir.
- Oh Jacinto, que estrela é esta, aqui, tão viva, sobre o beiral do telhado?
- Não sei... E aquela, Zé Fernandes, além, por cima do pinheiral?
- Não sei.
- Não sabíamos. Eu, por causa da espessa crosta de ignorância com que saí do
ventre de Coimbra, minha mãe espiritual. Ele, porque na sua biblioteca o
possuía trezentos e oito tratados sobre astronomia, e o saber assim acumulado,
forma um monte que nunca se transpõe nem se desbasta. Mas que nos importava que
aquele astro além se chamasse Sírio e aquele outro Aldebarã? Que lhes importava
a eles que um de nós fosse Jacinto, outro Zé? Eles tão imensos, nós tão
pequeninos, somos a obra da mesma vontade. E todos, Uranos ou Lorenas de Noronha
e Sande, constituímos modos diversos de um ser único, e as nossas diversidades
esparsas somam na mesma compacta unidade. Moléculas do mesmo todo, governadas
pela mesma lei, rolando para o mesmo fim... Do astro ao homem, do homem à flor
do trevo, da flor do trevo ao mar sonoro - tudo é o mesmo corpo, onde circula
como um sangue, o mesmo deus. E nenhum frêmito de vida, pormenor, passa numa
fibra desse sublime corpo, que se não repercuta em todas, até às mais humildes,
até às que parecem inertes e invitais. Quando um sol que não avisto, nunca
avistarei, morre de inanição nas profundidades, esse esguio galho de limoeiro,
embaixo na horta, sente um secreto arrepio de morte; e, quando eu bato uma
patada no soalho de Tormes, além o monstruoso Saturno estremece, e esse
estremecimento percorre o inteiro Universo! Jacinto abateu rijamente a mão no
rebordo da janela. Eu gritei:
- Acredita! ...O sol tremeu.
- E depois ( como eu notei) devíamos considerar que, sobre cada um desses grãos
de pó luminoso, existia uma criação, que incessantemente nasce, perece,
renasce. O cansaço vence os dois viajantes. José Fernandes adormece sob os
apelos de Jacinto para que lhe enviasse algumas peças brancas e lhe reservasse
alojamento em um bom hotel de Lisboa. Uma semana depois que José Fernandes
havia partido para Guiães, recebeu suas malas e imediatamente enviou um
telegrama para Lisboa, endereçado ao hotel Bragança, agradecendo pela bagagem
que foi encontrada e alegrando-se pelo amigo estar novamente gozando os
privilégios de seres civilizados. No entanto, não obteve resposta. Certo dia, o
narrador voltando de Flor da Malva, da casa de sua prima Joaninha, parou na
venda de Manuel Rico, e ficou sabendo algo surpreendente através do sobrinho de
Melchior: Jacinto permanecia em Tormes já há cinco semanas. Ao visitar Jacinto,
José Fernandes o encontrou totalmente mudado, física e mentalmente. Nada nele
denunciavaum homem franzino; estava encorpado, corado, como um verdadeiro
montês.
Mas o meu novíssimo amigo, debruçado da janela, batia as palmas - como Catão
para chamar os servos, na Roma simples. E gritava:
- Ana Vaqueira! Um copo de água, bem lavado, da fonte velha!
Pulei, imensamente divertido:
- Oh Jacinto! E as águas carbonatadas? E as fosfatadas? E as esterilizadas? E
as sódicas?...
- O meu Príncipe atirou os ombros com um desdém soberbo. E aclamou a aparição
de um grande copo, todo embaciado pela frescura nevada da água refulgente, que
uma bela moça trazia num prato.

Um homem de bem com a vida



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