A Rosa Do Povo - 4 Prt
(anabordin)
Note que a narrativa parece ser tirada de ?A Flor e a Náusea?: um inseto, o áporo, cava a terra sem achar saída. Assemelha-se ao eu-lírico do outro poema, que se via diante de um muro e da inutilidade do discurso. No entanto, Drummond continua discursando, vivendo, assim como o inseto continua cavando. Então, do impossível surge a transformação: do asfalto surge a flor, da terra-labirinto-beco surge a orquídea. Há algo aqui que faz lembrar o poema ?Elefante?, também no mesmo volume. Da mesma forma como Drummond fabrica seu brinquedo, mandando-o para o mundo, de onde retorna destruído (mas no dia seguinte o esforço se repete), o eu-lírico de ?A Flor e a Náusea? sobrevive em seu cotidiano nulo e nauseante e o áporo perfura a terra. É a temática do ?no entanto, continuamos e devemos continuar vivendo?, tão comum em vários momentos de A Rosa do Povo. ?Áporo?, portanto, é um poema tão rico que pode ter outras leituras, além dessa de teor existencial. Há também, por exemplo, a interpretação política, que enxerga uma referência a Luís Carlos Prestes (?presto se desata?), que acabara de ser libertado pelo regime ditatorial. A figura histórica pode ser vista, portanto, como um áporo buscando caminho na pátria sem saída que se tornou o Brasil na Era Vargas. Ainda assim, existe quem veja no texto um mero ? e inigualável ? exercício lúdico, em que as palavras são contempladas, manipuladas, transformadas. Basta lembrar, por exemplo, que ?áporo?, além de ser a designação do inseto cavador, é também um termo usado em filosofia e matemática para uma situação, um problema sem solução, sem saída. Além disso, a essência etimológica da palavra inseto é justamente as letras ?s? e ?e?, diluídas no corpo do texto. Observe como tal pode ser esquematizado: Um inSEto cava cava SEm alarme perfurando a terra SEm achar EScape. Que faZEr, ExauSto, Em paíS bloqueado, enlaCE de noite raiZ E minério? EiS que o labirinto (oh razão, miStÉrio) prESto SE dESata: em verdE, Sozinha, antieuclidiana, uma orquídea forma-SE. Note que a essência do áporo, do inseto, vai se movimentando em todo o poema, transformando-se, até o ápice do último verso da terceira estrofe. É o momento da transformação e da iniciação, já anunciadas na segunda estrofe na aliteração do /s/ e do /t/ e da assonância do /e/ que acabam criando a forma verbal ?encete? (ENlaCE de noiTE), que significa principiar, mas que possui também uma forte aproximação sonora com ?inseto?. A mutação final virá no último verso: o áporo inseto se transforma em áporo orquídea (?áporo? é também o nome de um determinado tipo de orquídea), a flor que se desabrocha para a libertação. Tanto que a raiz SE está prestes a se libertar, pois virou a forma pronominal ?se? (e, portanto, com relativa vida própria) que encerra o poema. Tal trabalho com a linguagem é a base de todo texto poético, como é defendido pelo próprio Drummond em ?Procura da Poesia?, transcrito abaixo:
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