Desencontros Virtuais
(Maria Eugenia Ponte)
À janela de um lar de idosos, Ana espera ansiosamente a chegada de João que prometera vir visitá-la. Recorda como, há 30 anos atrás, o conheceu quando navegava na Internet. João conduz o seu carro último modelo, ao longo da estrada molhada pela chuva torrencial e sorri ao recordar aquele dia em que propôs a Ana uma experiência de sexo virtual. João sabe que Ana o espera. Prepara-se para o encontro com a sua amiga de há já 30 anos. O carinho que os une é enorme, eles são duas almas gémeas que se desencontraram no tempo. Ana sorri, perdida nas suas recordações. Encosta a cabeça ao vidro da janela, arrepia-se ao sentir o frio do vidro gelado pela chuva que cai, insistentemente. Quando se encontraram, pela 1ª.vez, também estava um dia invernoso. Ana recorda como se abraçaram no meio da rua. João dá graças a Deus por ter vindo de carro. Quando visita Ana, gosta de o fazer na sua moto. Lembra como ela se começou a interessar por motos, a primeira vez que a levou a dar um passeio na sua moto. Ana agarrou a liberdade do vento a bater-lhe na cara, e aos 47 anos, João ajudou-a a escolher a sua 1ª.moto. Ana reza a Deus para que acompanhe João, e pensa na sua arte marcial, o Ninjutsu . Quando o conheceu, o Ninjutsu e as motos constituiam os seus principais interesses. Quando João a convidou a assistir a um treino de Ninjutsu, ela levou e ofereceu-lhe um livro. As artes marciais passaram a constituir um interesse para Ana. Ela adorava falar com João de todos os assuntos, com uma abertura enorme e tudo o que interessava a João passou também a merecer um especial respeito de Ana. Quantas horas passadas ao telefone, quantos quilómetros percorridos por João e por Ana para estarem um com o outro. Separavam-nos 22 anos mas os seus sentimentos caminharam sempre juntos, os seus gostos encontraram-se. Ana fica triste ao recordar como a sua amizade nunca foi muito compreendida, especialmente pela familia de João. O tempo, a distância, a vida profissional atarefada de João, nada o impedia de correr para junto de Ana para a apoiar, para fazer com que a sua solidão não a amargurasse. João contribuiu largamente para que a vida de Ana tivesse sido sempre uma vida cheia de movimento e aventura, e, em Ana, João encontrou o ombro amigo para chorar os seus desgostos. Com ela podia falar de tudo o que lhe ía na alma. João entristece-se quando recorda a cena que Mariana, sua esposa, lhe fez, tentando impedi-lo de ir ao encontro de Ana naquele dia. Ana pensa que os e-mails enviados, as frases trocadas nos canais de conversação da Net, as horas ao telefone, noite fora, são infinitamente mais importantes que os grandes momentos de paixão que alguns casais conseguem ter em toda uma vida em comum. João aproxima-se do Centro Social e, mais uma vez, lamentou os 22 anos que desencontraram as suas vidas. Como tudo teria sido diferente na sua vida e na de Ana se ele fosse um pouco mais velho e ela um pouco mais nova. Como teriam sido as suas vidas? Ana teria sido a mãe que nunca foi, João não tinha procurado em tantas mulheres aquilo que só encontrava em Ana. Ana vê o carro de João entrar no portão e o seu coração fica alvoraçado como uma menina que vê o namorado vir ao seu encontro. Sempre a mesma Ana, com o rosto cheio de rugas mas a alma sempre pronta a voos mais altos, que a levassem para além do tempo. Os olhos de Ana enchem-se de lágrimas: João não a tinha esquecido naquele dia do seu aniversário. João levá-la-ia a almoçar fora e ela sabia que seria cumulada de atenções e carinho durante todo o dia. Iria também conhecer Daniel, o maior orgulho de João, o seu 1º.neto, o neto que poderia ser também de Ana se a vida não fosse, por vezes, tão perversa. Porquê duas almas gémeas separadas tão violentamente? Os olhos de João percorrem as janelas do Centro até que descobre aquela figurinha frágil que lhe acena. O seu coração aperta-se de emoção e também ele se agita. Que sente João por esta mulherque a vida lhe acenou sem nunca deixar que ele lhe tocasse? Que sente João por esta mulher que os anos envelheceram mas que ele vê sempre como aquela com quem ele poderia ter sido verdadeiramente feliz? Ana levanta-se de repente, a alma em desatino, quanta saudade ela tem do seu amigo de sempre! João, vem depressa, abraça-me forte e não me deixes partir. Vem depressa que me sinto morrer, quero ter tempo de te dar um último beijo. João, vem depressa que a vida se escoa. João sobe a correr 2 lanços de escadas. Não sabe porquê, mas é algo que o chama. Ana, porque estás caída no chão? Os olhos de Ana abrem-se por momentos, fixa João de uma forma dorida, depois sorri levemente e pronuncia uma palavra que se perde no espaço e a mão que tentou levantar, cai pesadamente no chão. Duas lágrimas únicas rolam pelo rosto daquele homem que se ajoelha no chão e que, deixando de ver as rugas que cobrem o rosto daquela mulher morta para a vida, beija levemente os seus lábios cerrados e diz muito baixinho: ?Adeus, meu amor?
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