A Intrusa
(Júlia Lopes de Almeida)
A Mulher no Banco dos Réus - O sucesso de Júlia Lopes de Almeida, no contexto literário brasileiro do início do século, suscita uma série de reflexões por se tratar de um fenômeno inédito. O fato de ser casada com Filinto de Almeida, escritor português, e pertencer a uma família de intelectuais, contribuiu, sem dúvida, para lhe abrir os caminhos até então praticamente interditos à mulher. O sucesso que alcançou na época repercutiu até mesmo em Paris, onde foi alvo de uma homenagem da Société des Gens de Lettres, conforme testemunho de Olavo Bilac.
Porém, com o passar do tempo, a obra de Júlia Lopes de Almeida reduziu-se a esparsos registros em compêndios de historiografia e uma ou outra reedição mais recente. Lúcia Miguel Pereira é quem se ocupa mais dela, classificando-a naquele tipo de literatura conhecido como "sorriso da sociedade", pelo seu caráter de amável entretenimento. José Veríssimo, num estudo de 1913, enaltece a autora, considerando-a superior a Coelho Neto. Porém, sua obra, composta de romances, contos, crônicas e livros de natureza didática, caiu, injustamente, no esquecimento; se alguns textos pecam pelo tom moralizante aliado a uma defasada retórica romântica, há outros de confecção primorosa que fogem, por sua complexidade, à classificação de Lúcia Miguel Pereira.
A intrusa, publicado inicialmente em capítulos no Jornal do Commercio (1905) e em livro três anos depois, é, ao lado de outros textos como A falência (1901) e Correio da roça (1913), um exemplo de plena realização literária. A realidade social aí representada é formada por várias classes, incluindo desde a nobreza decadente até o escravo recém-libertado, passando pelo poder econômico, pelo clero e pela classe política. A mulher, na figura de Alice, é o objeto em questão.
O narrador, inicialmente, nos apresenta uma reunião em casa de Argemiro - representante do poder econômico, como o próprio nome sugere -, onde estão presentes o padre Assunção, o deputado Armindo Teles e Adolfo Caldas, diletante sem profissão definida. A conversa gira em torno da contratação de uma governanta, pois Argemiro, viúvo, quer ter o prazer da companhia de sua filha Maria, até então vivendo com os avós maternos, numa chácara distante. Tal solução de Argemiro suscita opiniões contrárias, porque "feia ou bonita a mulher é sempre perigosa".
O dono da casa, vítima dos desmandos e desmazelos do ex-escravo Feliciano, cria da Baronesa sua sogra, mantém-se firme no propósito de entregar sua casa e sua filha aos cuidados de uma governanta, pois "uma casa sem mulher, afirmava ele, é um túmulo sem janelas: toda a vida está lá fora". Alice é a candidata que se apresenta aceitando as regras do jogo - cuidar de tudo mantendo-se invisível; para tentar calar as más línguas, Argemiro impõe a condição de jamais se encontrar com a governanta, impedindo dessa forma qualquer outro tipo de envolvimento. Viúvo, pretende se manter fiel à memória da falecida a quem prometeu, no leito de morte, jamais se casar novamente. Embora as regras do jogo sejam rigorosamente observadas, as más línguas, como é costume, não se calam, e, envolvido pela eficiência dos serviços prestados por Alice, ele acaba pedindo-a em casamento. Mas, até este desfecho feliz, ele será disputado pela Pedrosa, mulher de ministro, que o quer para genro, e pela Baronesa, que lhe cobra a promessa feita a sua filha.
A Pedrosa - uma espécie de homem de saias, para o contexto da época - é quem constrói a carreira política do marido, que passivamente se deixa manobrar por ela. Diz o narrador, a propósito desta manipulação, que a Pedrosa "vingava-se do destino a ter feito mulher". A autora tem, portanto, consciência da perversidade do "destino de mulher", embora reconheça que nada pode ser feito para mudá-lo; ela denuncia também, de forma bastante romântica, as manobras usuais para garantir "bons" casamentos, deixando de lado as razões do coração. A filha da Pedrosa, vexada, se nega a ser objeto de transação e acaba encontrando seu príncipe encantado.
O tratamento dado à Baronesa, como representante da aristocracia decadente, é primoroso; a descrição desta personagem - "cabelos completamente brancos", "faces flácidas", "carne do pescoço descaída" - dá a medida do declínio de uma classe e de seu desespero diante da perda do poder. Alice representa para a Baronesa a intrusa, a que veio para se apoderar de todos os seus bens, levando Argemiro a romper com a promessa feita. Ela tenta evitar o desastre, recorrendo a uma cartomante e se aliando a Feliciano, para quem Alice representava também um enorme prejuízo; antes, ele dispunha de liberdade e intimidade com as coisas do patrão, valendo-se, indevidamente, desses poderes. Alice é a intrusa que vai, através do trabalho eficiente, ameaçar sua "feliz" irresponsabilidade.
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