A Verdade Tem Olhos Verdes
(Luis Giffoni)
A trama se passa entre São Paulo, Nova York, Washington, Los Angeles, Universidade de Harvard, Caribe, Luxemburgo e o sul da Itália, envolvendo o assassinato do homem mais rico do Brasil e de sua filha, grávida de oito meses.
Acusado pelo crime, o genro do bilionário foge. Enquanto busca provar a inocência, enfrenta matadores profissionais e um labirinto que atravessa os ícones do século 21, da globalização à teoria do caos. De surpresa em surpresa, acredita que a solução do imbróglio esteja numa frase de Cervantes citada num conto de Jorge Luis Borges, mas a realidade se mostra enganadora.
Com talento, explorando a capacidade do cérebro para criar modelos lógicos, Luís Giffoni conduz o leitor ao verdadeiro assassino. Verdadeiro? Em A Verdade Tem Olhos Verdes, a própria Verdade é vista com reserva.
Em A Verdade Tem Olhos Verdes, romance psicológico com elementos do gênero policial, Giffoni elaborou uma trama narrada em primeira pessoa alicerçada na forte descrição imagética de cenas, lugares e da própria história, com um final inusitado, difícil de ser adaptado para outro meio, a televisão por exemplo. Alguns leitores podem ficar desconcertados; é imprescindível, portanto, estar atento desde o começo a pistas e armadilhas deixadas pelo autor ao longo da obra. A história é aparentemente convencional.
À beira da piscina do sítio em que se refugia o narrador de A verdade tem olhos verdes, de Luís Giffoni, há as conhecidas pedras de São Tomé. São Tomé das Letras, cidade sul-mineira, célebre não só pelas pedras mas também pela onda esotérica e mística, fica bem próxima da terra natal de Giffoni, Baependi, como também é cenário vizinho dos livros anteriores desse romancista: A árvore dos ossos e Adágio para o silêncio. Nessas obras, o autor escrevia sobre um país rural e mítico, como também abordava a transição para um país pós-industrializado. Agora, no último romance da trilogia, eis que o cenário se diversifica: São Paulo, Boston, Caribe, Luxemburgo servem de pano de fundo para uma intriga sobre um mundo globalizado e uma mente caótica. Mas, no nome do narrador, Tomé, sobrevive um aspecto primitivo, mítico, diria mesmo, mineiro, a contrastar com o restante do pomposo nome: Augusto d`Almeida di Reggio. Ora, Tomé evoca o nome do apóstolo que duvida da verdade da ressurreição de Cristo. Aliás, no romance, tanto Tomé quanto seu pai, Bernardo, nasceram no natalício de Cristo. Para ficarmos ainda nessa relação bíblica, o dono do sítio, espaço da enunciação da narrativa, faz ao protagonista uma pergunta como a de Pilatos para Cristo: "O que é a verdade"? A cidade de São Tomé das Letras é um lugar montanhoso, repleto de lendas: ali, a mentira e a verdade andam de mãos dadas. Assim também, nessa montanhosa narrativa, as letras desse Tomé, narrador, oscilam entre verdade e mentira, enigmas filosóficos e sacadas financeiras, sexo e viagens, muita bebida e muitas incursões pela literatura. A certa altura do relato, ao evocar Babilônia, que significa etimologicamente "a terra do pai", o narrador exclama:"Como se repousa numa doce lembrança, quando pedra não restou sobre pedra?" A esse Tomé sem pedras, sobram as letras...
Narrativa babélica, A Verdade Tem Olhos Verdes propõe uma encruzilhada de leituras: o leitor que apenas busca entretenimento, aqui encontrará uma história de ação, com tiroteios, crimes espetaculares, cenas de sexo e golpes financeiros. Por outro lado, o jogo entre mentira e verdade, ocultamento e desnudamento, que atravessa a narrativa de ponta a ponta, desafia um receptor mais exigente a perseguir pistas, a enveredar por teorias e associações, esbarrar em Platão, Cervantes, Borges, Freud e Lacan. E deste rescaldo todo, sai assobiando a música Light my fire, exatamente o trecho em que se diz "you know that I would be a liar", que complementa a epígrafe shakespeareana a propósito do entrelaçamento entre verdade e mentira. E eis que o narrador quer ser visto como oamigo da verdade, expressão esta que poderia ser dita em grego, aletófilo, ambígua palavra que se associa também à errância e que significa "escritor satírico". Se quiserem um rótulo para Luís Giffoni, ei-lo: escritor satírico, mais do que psicológico ou filosófico. A sátira é a cara e o estilo desse autor, que nos transforma em voyeurs e nos deforma a realidade, à maneira da careta de um adolescente de Los Angeles, junto ao vidro de um carro, bisbilhotando uma cena tórrida de sexo.
Narrativa que também esbarra em Borges e em Barthes, oferece uma leitura crítica e ferina contra os bacanas: a cínica visão do mundo de quem está no alto da pirâmide contemplando o destino das pessoas sem futuro, cujo epitáfio poderia ser: "Eram uns merdas" As letras de Tomé hão de atrair os estudantes e professores de Letras e Psicanálise. Por exemplo, em "Les fomations de l`inconscient", Lacan observa que "O pai não é um objeto real, então o que é? (...) O pai é uma metáfora. O que é uma metáfora? (...) É um significante que vem no lugar de um outro significante." Isso tem a ver com a teoria dos invólucros, presente na narrativa de Giffoni, a respeito de vivermos num tempo de embalagens...Lacan falava que o nome do pai devia ser o nome do nome do nome. Essa idéia remete ao labirinto da linguagem. Labirinto que envolve as relações familiares, leit-motif da trilogia de Giffoni. Não houvesse a epígrafe de Shakespeare, o autor poderia lançar mão desse trercho de Raduan Nassar, presente em Lavoura arcaica: "e não seria nenhum disparate eu concluir que o amor na família não pode ter a grandeza que se imagina". Mas voltando a Lacan, que estrutura o inconsciente como uma linguagem e demonstra que o lugar do eu é o espaço do ocultamento, da mentira, da ficção, salientamos que o romance A verdade tem olhos verdes evoca Rimbaud, que dizia que "o eu é um outro". De citação a citação, ("Todo cuidado é pouco com os devoradores de livros") a excitação culmina com Machado de Assis, aliás saboreado pelos fictícios (?) escritores Sergei Fantinov e Francis Mendelsohn: depois que esse bruxo colocou um cadáver fazendo um livro de memórias, tudo é possível nas nossas letras...Não se pode cogitar na morte do romance brasileiro, pois, na narrativa de Luís Giffoni, um escritor escreve "O cadáver pós-tudo", que sofre uma impiedosa crítica do narrador, sugerindo uma alteração obscena do acento: o cadáver pôs tudo. Neste romance, o autor pôs o que os tempos de hoje exigem, e o resultado é desconcertante, surpreendente, como se estivéssemos num carrossel, perseguido por um fotógrafo lambe-lambe...
A obra ganha força e identidade própria a partir do momento em que o romance deixa de ser apenas entretenimento para ser uma obra que faz uma reflexão do mundo contemporâneo. Ao mesmo tempo em que Tomé se desnuda por meio de um "striptease libertador", para tentar encontrar o assassino, o autor revela a hipocrisia social, a corrupção e uma sociedade artificial, fugaz e acrítica para quem "os pecados capitais são virtudes". Todos são suspeitos, até que o leitor prove o contrário: o comerciante arrivista, o padre, o irmão, uma família calabresa, o pai, o amigo, a sogra, terroristas colombianos, um senador norte-americano e militares tailandeses. Último livro da trilogia iniciada com "A Árvore dos Ossos", seguido pela obra "Adágio para o Silêncio", "A Verdade Tem Olhos Verdes" é capaz de seduzir o leitor do começo ao fim, com muita ironia, doses de suspense, erotismo na medida certa e diálogos bem conduzidos. Giffoni entra num campo minado de empáfia intelectual, fascínio pela riqueza e persuasão de idéias em uma sociedade que gera deuses e alienígenas (os guetos formados na elite brasileira), que desprezam os mortais.
Para amarrar toda a história, a construção e desconstrução da verdade conduzida por Tomé é acompanhada pela idéia do autor de que o cérebro do ser humano não é capaz de trabalhar elementos isolados sem elaborar uma teoria, uma filos
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