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Maíra - Parte 1
(Darcy Ribero)

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A discussão sobre os conceitos de integração e interação é sempre oportuna quando se trata de analisar o processo ocorrido quando dois universos, sociedades ou até mesmo conjuntos de idéias entram em contato. Sendo assim, o debate sociológico torna-se de longa data, suficiente para gerar um verbete para cada um dos conceitos nos dicionários destinados ao público amplo. Integração ocorre quando dois ou mais entram em contato e perde-se a especificidade de cada um deles, isto é, os dois passam a ser únicos: "tornar-se parte integrante, incorporar-se" (Aurélio), ou, especificamente no âmbito da sociologia, "unificação social, processo que garante inteireza de um grupo social ou instituição" (Caldas Aulete). Já a interação ocorre quando duas partes entram em contato, mas a especificidade de cada uma delas é mantida. O caráter hierárquico de uma sobre a outra desaparece, ou pelo menos é atenuado, culminando com a seguinte definição: "influência social recíproca" (Caldas Aulete) ou "ação que se exerce mutuamente entre duas ou mais coisas" (Aurélio).
Uma das facetas do educador, antropólogo, político e imortal da Academia Brasileira de Letras Darcy Ribeiro se pautou pela busca da compreensão do choque (ou integração) entre o universo do branco e o do índio, além de uma militância ostensiva na busca da transformação do Brasil em um país mais justo e, nas suas palavras, como protagonista de um "desenvolvimento autônomo". O primeiro romance escrito pelo autor, Maíra, é, com certeza, um marco nessa batalha. Publicado pela primeira vez em 1976, a obra teve 48 edições em oito línguas. Ganhou, em 1996, uma edição comemorativa, com resenhas e críticas de Antônio Cândido, Alfredo Bosi, Moacir Werneck de Castro e Antonio Houaiss, entre outros. A obra já foi adaptada para o teatro e, pouco antes da sua morte, em 1997, Ribeiro anunciou um contrato para que ela vire um filme, a exemplo de outro texto, intitulado ?Uirá vai ao encontro de Maíra. As experiências de um índio urubu-kaapor que saiu a procura de Deus". Sobre a possibilidade do filme Maíra, declarou: ?Quero ver meus personagens encarnados em bons artistas e, mais ainda, os deuses Maíra e Micura mostrando ao grande público o fundo do pensamento indígena e sua cosmogonia, totalmente oposta à cristã, em que o gozo não é pecado, mas uma dádiva dos deuses?.
Publicado entre seus clássicos da etnologia e da antropologia da civilização, a obra é bastante oportuna para entender o conflito de seres que se separam das suas raízes culturais e buscam recuperar sua identidade. O dois personagens principais ? o índio Avá e a jovem loura Alma ? por vezes se perdem na busca de uma integração sem conflitos, enveredando pelo caminho da auto-destruição. Avá saiu de sua aldeia ainda menino, para se tornar sacerdote cristão e ?aprender com os padres a sabedoria dos caraíbas?. Depois de ir até Roma, ele volta para sua tribo como se tivesse ?perdido a alma, roubada pelos curupiras e vivido por anos a fio como bicho entre os bichos?. Seu drama instiga o leitor na sua volta: ?Tudo que tenho são duas mãos inábeis e cabeça cheia de ladainhas. E este coração aflito que me sai pela boca?.
Em alguns momentos, Darcy Ribeiro nitidamente se une ao angustiado índio Mairum, que vive extirpado de suas tradições, e constrói com o leitor um coro de indignação: "Este é o único mandato de Deus que me comove todo: o de que cada povo permaneça ele mesmo, com a cara que Ele lhe deu, custe o que custar. Nosso dever, nossa sina, não sei, é resistir, como resistem os judeus, os ciganos, os bascos e tantos mais. Todos inviáveis, mas presentes" (p. 33).
Renomeado com o nome cristão Isaías (o profeta bíblico que ficou conhecido como "aquele que clama no deserto"), o personagem Avá também é um dos porta-vozes do discurso veemente e indignado que perpassa toda a obra, escrita em tempos de censura e perseguição. Nos tempos em que a ditadura assolava o interior do país em busca de"integrar" o índio à sociedade e o próprio Darcy Ribeiro se encontrava no exílio, a busca persistente da resistência em meio ao caos é claramente perceptível ao leitor. Em uma entrevista, pouco antes de morrer, ele declarou que, quando escreveu Maíra, no Peru, não se sentia exilado, porque o trabalho de escrever devolvia o convívio entre os índios Urubus-Kaapor e Kadiwéus, ocorridos principalmente na década de 50, em companhia, inicialmente do general Cândido Rondon.
O livro é também intercalado por relatos detalhados da natureza, cenário em que ocorre boa parte da trama. Pássaros, rios e caçadas, o cheiro da morte e dos rituais fúnebres, o sexo, as festas e as lutas, tudo aparece ardente na narrativa, só contida pelo lamento da perda das tradições que o antropólogo insistiu, até o fim da vida, em reconhecer e valorizar como suas também.
Deste modo, a obra, mesmo não sendo um dos clássicos analíticos de Darcy Ribeiro, coleciona elogios entre grandes pensadores, como Alceu Amoroso Lima e Celso Furtado. Furtado chegou inclusive a citá-la em seu discurso na Associação Brasileira de Letras, em 1997, como uma combinação de recursos da linguagem literária e filosófica, aventura conseguida apenas por Platão, em Diálogos, e no teatro de Sartre.
O resultado é a partilha com o leitor do sistema de valores de uma cultura indígena tão rica, oprimida, e contraditória com os valores hegemônicos da nossa sociedade. Uma leitura bastante recomendável àqueles que visam à integração do país a uma lógica de crescimento econômico.



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