Vidas Em Jogo -cestas De Adivinhação E Refugiados Angolanos Na Zâmbia
(Sónia Silva)
Vidas em jogo, Cestas de adivinhação e refugiados angolanos na Zâmbia de Sónia Silva chama a atenção para um dos principais produtos das guerras: a multidão de deslocados a viver longe do seu local de origem. Fazendo uma breve introdução histórica, a autora mostra-nos o contexto e a vida do povo Luvale na região de Chavuma, território zambiano que faz fronteira com Angola pelo lado noroeste e que tem sido ao longo de décadas um dos principais destinos dos refugiados angolanos nos anos que se seguiram á independência e ao começo da guerra civil que tem assolado o pais desde então. A partir daqui, a autora realiza todo o seu trabalho de investigação em torno da identidade da etnia Luvale, das suas origens e da sua construção de identidade num mundo em que são forçados a viver de forma ilegal e com pouca segurança. A lipele, uma pequena cesta contendo peças simbólicas representa um oráculo animado de vida e de vontade própria, representa o ponto de partida para o estudo da sociedade Luvale. Este livro está dividido em três partes que correspondem ás fases da vida de uma lipele, o nascimento, a iniciação e a maturidade. Tal como a vida de uma pessoa, estas fases são o ponto de passagem que terá necessariamente de passar até á consequente morte e enterro, pois deixa de ser uma vulgar cesta passando a ter um estatuto semelhante ao ser humano, mas no entanto como muito mais poder já que representa a morada dos espíritos ligados á adivinhação. O papel do adivinho que opera a lipele é aqui visto como uma extensão da cesta, sendo possuídos mutuamente, sendo este oficio um modo de trabalhar e laborar reservada apenas aos escolhidos. Na fase do nascimento é explicado o processo de fabrico, que também corresponde ao fabrico de todas as cestas Luvale manufacturadas. Mas esta objectificação é-o só até certo ponto pela observação de certos preceitos e cumprimento de tabus durante a sua execução como garantia de que o poder de adivinhação não vai ser prejudicado mais tarde. Desde a sua encomenda até á altura em que é entregue ao adivinho, esta entrega é na realidade um roubo simulado em que a cesteira tem como obrigação amaldiçoar o adivinho. As maldições são uma componente importante de todo o processo e também tem um particular peso não rituais mágicos e também na vida diária desta sociedade. Na iniciação da cesta, dá-se o processo de personificação através de rituais muito longos em que são representados simbolicamente as personagens e as lendas que explicam a origem do oráculo e ao mesmo tempo ao poder social que os homens detêm em detrimento das mulheres. A origem da Lipele não parece um problema sobre o qual os Luvale se preocupem, mas que os liga historicamente a outras etnias servido neste caso para denunciar as suas origens angolanas, identidade essa que tentam esconder a todo o custo. Embora existam varias versões da mesma história, o que faz alguns indivíduos entrarem em desacordo e dificultar o trabalho da investigadora, permite seguir o rasto ás movimentações das populações ao longo do território e encontrar semelhanças entre oráculos em vários pontos de Africa. A autora explica minuciosamente todo o ritual e a forma como são explicados entidades ligadas á adivinhação, sendo a mais importante o espírito Kayongo, habitante da cesta. As cores vermelho e branco relacionadas com o ritual estão plenos de significados e acompanham a lipele em todas as ocasiões da sua vida. Na fase final, a maturidade, autora teve a oportunidade de ver a forma como é usada para que os consultantes possam ser ajudados a resolver as suas questões. A razoes de consulta a uma lipele podem ser muitas e o sucesso de uma estrutura formal que leva á revelação. Por isso o papel doa clientes tem que ser activo e consciente. O consultante terá que compreender o adivinho e a lipele como um recipiente Kayongo, em que se objectifica o adivinho e se humaniza a cesta. Isto só pode ser entendido num contexto cultural muito particular, não podendo ser transposto para outra cultura sob pena de descaracterizar por completo a acção. A autora chama a atenção para dois pontos importantes na vida dos Luvale na Zâmbia. Por um lado a adivinhação com cesta como um meio de ordenar e harmonizar as suas vidas e, por outro a deslocação forçada a que foram sujeitos. Estes pontos divergem para um único em que o que está em causa é a procura de pontos de referência que confirmem e reafirmem a sua identidade. A lipele representa um objecto secular que permite uma ligação, estabilizando a sua existência. Acções e gestos continuamente recriados através de rituais trazidos para o quotidiano remetem para um mundo que existe ainda na memória colectiva. Por isso o espírito Kayongo é tão importante no processo identitário, evoca uma perenidade pela ideia de viver no corpo dos adivinhos vivos, como viveu nos que lhes antecederam. Estabelece-se assim uma linha de continuidade até ao primeiro Luvale que usou a primeira lipele, há muito tempo e algures em território angolano.Os Luvale raramente admitem a sua identidade angolana, a sua situação como ilegais fá-los recear represálias por parte das autoridades zambianas, desta forma preservam o seu passado colectivo, transmitindo-o á geração seguinte.
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