A Hospedaria Do Diabo - I
(Adroaldo Bauer)
O silêncio compacto tornou tétrico, feral e lúgubre toda a ala sul, onde era localizada a Hospedaria do Capeta, como os demais presos batizaram a 666, cela isolada, de chegada e trânsito entre as alas que se definiam por níveis de periculosidade na Casa de Detenção. Os vizinhos da hospedaria estranharam o repentino silêncio. Certo que era já noite alta, mas o preso do cubículo 666 esmurrara paredes e grades desde que chegara ainda no final da tarde da véspera e nada o fizera parar até aquele momento, seguramente umas três da madrugada, conforme a posição da lua vista detrás das grades. Ou dormira ou desmaiara. Os demais ainda insones estalaram olhos e aguçaram ouvidos. Nada. Talvez estivesse morto. A carceragem não se surpreenderia. O passeio da manhã no pátio interno de certo seria tenso para o novato. A lenda do lugar era que matador de criança ou estuprador de mulher morria cedo ali, muita vez antes de ter sentença em julgamento. E de motivos diversos. Até suicídio aparecia como causa das mortes assim. Dois dias antes a imprensa dera copiosa cobertura da casinha destruída por incêndio, do cadáver de mulher incinerado junto a dois outros, de crianças. As primeiras informações, ainda nos noticiários de rádio, reportavam incêndio, descuido da mãe, curto-circuito. As hipóteses ligeiras e comuns sempre sustentadas pela pressa incauta de dar publicidade à tragédia. As imagens de televisão foram de um bombeiro operando o rescaldo dos escombros, revirando cinzas. E uma boneca de plástico enrolada em um cobertorzinho rosa num carrinho de bebê milagrosamente intacto parecendo coisa plantada ali para animar a cena que as outras imagens tornava banal. Os diários da véspera mais parcimoniosos todos, menos o escandaloso Berro da Hora, já especulavam hipóteses de crime passional ou latrocínio.
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