Hoje Tem Marmelada?
(Rui Arts)
Hoje tem marmelada?
Um belo volume com CD revê a trajetória dos artistas que fizeram o circo no Brasil
Uma das primeiras notícias da presença do circo no Brasil foi registrada em 1727. Naquele ano, o bispo do Rio de Janeiro, dom frei Antônio de Guadalupe, dirigiu-se ao Santo Ofício, em Roma, para pedir instruções de como agir a respeito de "uns ciganos e suas comédias e óperas imorais" que se exibiam por aqui. Esses espetáculos, provavelmente incipientes, que tanta inquietação causavam ao bom bispo seriam substituídos, nos séculos XVIII e XIX, primeiro por trupes de saltimbancos e depois por grandes companhias européias, atraídas pelo fastígio de nossos ciclos econômicos: café, borracha, surto industrial. Vinham de navio e bordejavam pelo litoral até o Rio da Prata. Mas algumas delas não voltaram e acabaram dando origem aos nossos clãs do picadeiro.
Uma dessas primeiras famílias foi a Teresa/Cardona, de origem espanhola, de cujo tronco viriam a nascer o lendário Oscarito e Walter Stuart, que brilharia na velha TV Tupi. A família Queirolo também se tornaria histórica. Dentro dela surgiria José Carlos, o famoso palhaço Chicharrão. Viriam também os Seyssel, que nos dariam mais tarde Waldemar, o Arrelia. Pode parecer estranho, mas tivemos japoneses participando dessas raízes, como o clã dos Olimecha. Seu fundador, Haytaka Torakiste, nascido em Osaka, aportou em 1888, com o nome de Frank Olimecha, adotado antes em suas andanças pelo mundo. Outro patrício seu, Takissawa Mange, patriarca da família Mange, desembarcou no início do século e acabou por casar-se com Aída Beltrami, oriunda de uma família italiana do picadeiro, dando-se, portanto, a união de dois ramos da mais nobre estirpe circense. Na esteira dessa gente, floresceram os pioneiros nacionais, dos quais se destaca Galdino Pinto, pai de Abelardo Pinto, nosso Piolin. Como se vê, não há exagero na idéia de que o circo está no sangue.
Qual a razão de estarmos rememorando esses fatos? Porque fazem parte do livro O Circo no Brasil, que acaba de ser lançado pela Funarte/Atração. É o quinto volume da série História Visual e tem atrás de si Cinema Brasileiro, Teatro Brasileiro, Dança no Brasil, MPB - História de Um Século. Trata-se, como se vê, de uma série memorialística (em português, inglês e espanhol) e seu título é pertinente, pois se trata de obras basicamente visuais.
No caso de O Circo no Brasil, há uma vasta e preciosa iconografia de famílias, palhaços e artistas variados cuja existência seria difícil imaginar. E, melhor ainda, que estivesse em bom estado. Essa é a grande virtude do livro: seu caráter profusamente documental. Chega a ser comovente, por exemplo, ver Oscarito com os pais e a irmã, vestido de marinheiro, aos 10 ou 11 anos de idade, numa estudada fotografia de estúdio. Ou o retrato de Benjamim de Oliveira em casaca, numa pose severa que jamais lembraria o primeiro palhaço negro do Brasil.
O Circo no Brasil tem excelente acabamento editorial e traz um oportuno complemento em forma de CD que pode ser comprado à parte e reúne o clássico repertório de músicas de circo nas vozes de Arrelia, Pururuca, Picolino, Figurinha e Antonio Nóbrega, esse belo artista-brincante baseado em São Paulo. Tais musiquinhas apenas ampliam a agradável nostalgia que o livro desperta.
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