Sagarana - São Marcos [6º Conto] 
(João Guimarães Rosa)
  
          Mangolô era um preto velho. Morava no Calango-Frito e tinha fama de feiticeiro.   O narrador, saindo do povoado (ia caçar), passou pela casa de Mangolô e tirou   brincadeira. Gritou para o preto velho: "primeiro: todo negro é   cachaceiro; segundo: todo negro é vagabundo; terceiro: todo negro é feiticeiro".   Eram os mandamentos do negro. Mangolô não gostou da brincadeira. Fechou-se na   casa e bateu a porta.      Mais à frente, na mesma caminhada, o narrador alcança Aurísio Manquitola. O   narrador, por brincadeira, começou a recitar a oração proibida de São Marcos.   Aurísio enche-se de medo. É um perigo dizer as palavras dessa oração, mesmo que   por brincadeira.      Aurísio conta ao narrador a história de Tião Tranjão, sujeito meio leso,   vendedor de peixe-de-rio no arraial. Tião amigou-se com uma mulherzinha feia e   sem graça. Pois o Cypriano, carapina já velho, começou a fazer o Tião de corno.   Mais ainda: os dois, Cypriano e a mulher feia, inventaram que foi Tião quem   tinha ofendido o Filipe Turco, que tinha levado umas porretadas no escuro sem   saber da mão de quem... O Gestal da Gaita, querendo ajudar o Tião, quis ensinar   a ele a reza de São Marcos. Tião trocava as palavras, tinha dificuldade para   memorizar. Gestal teve que lhe encostar o chicote para fixar a reza. Aí sim,   debaixo de peia, Tião Tranjão aprendeu direitinho a reza proibida, tintim  por  tintim.         Depois da reza decorada, vieram uns soldados prender Tião. Ele desafiou: com   ordem de quem? Os soldados explicaram: com ordem do subdelegado. Então, que   fossem na frente. Ele iria depois. Com muito jeito, conseguiram levar Tião para   a cadeia e lá, bateram nele. Depois da meia-noite, Tião rezou a oração de São   Marcos e, misteriosamente, conseguiu fugir da cadeia, voltar para casa ? quatro   léguas. Não encontrando a mulher, foi direto para a casa do carapina. Aí, com   ar de guerreiro, bateu na mulher, no carapina, quebrou tudo que havia por lá,   acabou desmanchando a casa quase toda. Foram necessárias mais de dez pessoas   para segurá-lo.       O narrador vai descendo por trilhas conhecidas, reconhecendo árvores,   identificando pássaros, até chegar finalmente à lagoa. Senta-se e põe-se a   observar o movimento dos bichos em perfeita harmonia com a natureza. De   repente, sem dor e sem explicação, ficou cego. O desespero não veio de   imediato. Aos poucos, foi concluindo que estava distante, afastado de qualquer   ser humano, impossibilitado de voltar para casa. Resolveu gritar. Gritou   repetidas vezes e só teve o eco por resposta. Tentou, então, voltar tateando as   árvores. Logo percebeu que estava perdido, numa escuridão desesperadora. Já ferido   por espinhos invisíveis, machucado de quedas, chegou a chorar alto.       Sem pensar, o narrador começou a bramir a reza - brava de São Marcos. E sem   entender o porquê, dizendo blasfêmias que a reza continha, começou a correr   dentro da mata, tangido por visões terríveis. De repente, estava na casa de   João Mangolô, tangido por uma fúria incontrolável. E a voz do feiticeiro   pedindo pelo amor de Deus que não o matasse. Os dois rolaram juntos para os   fundos da casa. E de repente, luz, muita luz. A visão voltava esplêndida. E o   negro velho tentando esconder alguma coisa atrás do jirau. Depois de levar   alguns sopapos, Mangolô mostrou um boneco. Mais alguns socos e o feiticeiro   explicou: não queria matar. Amarrara apenas uma tirinha de pano preto nas   vistas do boneco para o narrador passar uns tempos sem enxergar. Tudo terminou em paz. Para garantir   tranqüilidade, o narrador deu um dinheiro a João Mangolô. Era a garantia de   que, agora, eram amigos. 
 
 
  
 
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