Envelhecimento
(joao batista)
Uma manhã de início de inverno. Começo a andar pela praia. Poderia dizer que era o único, não tivesse avistado um cachorro ao longe. Fiquei até imaginando se ele não estaria ali caminhando para também pensar na vida e encontrar-se consigo mesmo. Continuei andando, pés descalços, a areia molhada, a água fria tocando meus pés no ir e vir das ondas que arrebentavam na praia, olhando para frente, avistando o cachorro e achando que ele também fazia o mesmo comigo. É como se um não tirasse os olhos do outro. Uma névoa ainda cobre a praia, o mar é calmo, a água é fria, as ondas são mansas e seu barulho suave. Uma gaivota, também solitária, sobrevoa o mar. Volto a pensar se não somos três solitários desfrutando da bela paisagem da praia, buscando um sentido para si mesmo. De repente esqueço da gaivota e do cachorro ? e até hoje não sei se nesse tempo eles também se esqueceram de mim. Sigo caminhando pela praia. A água gelada não incomoda meus pés. Volto ao meu tempo de infância ? tempo de coisas impossíveis para minhas curtas pernas. Mas um tempo de felicidade, de ingenuidade, de simplicidade, de sinceridade. Só ouço o suave quebrar das ondas, a água gelada encobrindo meus pés e sigo andando. Olhando para frente não sei se é a névoa ainda presente ou se são lágrimas em meus olhos. Volto ao meu tempo de adolescência ? tempo de sonhar grande, de fazer planos, de me frustrar por não conseguir todas as realizações desejáveis. Mas um tempo de vontades, sonhos, opiniões, convicções. O dia ainda nublado. As ondas ainda suaves. A água ainda gelada. E realmente não me lembro onde estavam o cachorro e a gaivota. Volto ao meu tempo de juventude ? tempo de ser notado e por vezes de sentir-me excluído. Mas um tempo de construir, amar, conquistar, produzir. O sol não aparece. A água continua gelada. O mar continua calmo. As ondas quebram suave na praia. A névoa, ou as lágrimas nos meus olhos prossegue. E o cachorro e a gaivota, ainda não consigo saber onde teriam ficado. Volto ao meu tempo de maturidade ? tempo de união, de construção de família que não se solidificou. Mas um tempo de poder ser quem se é com a força superando tudo e todos se preciso for. As ondas são mansas, o mar está calmo, a água está fria, a areia está molhada, meus pés gelados, a névoa prossegue, as lágrimas aumentam. O cachorro e a gaivota... ? Deus, onde estariam? Volto a mim mesmo na velhice ? tempo de solidão. Mas um tempo de poder reviver tudo que fui ou que sonhei ser. E então, acordando desse meu sonho enquanto caminhava, vejo o mar calmo, as ondas quebrando suavemente, a névoa presente, as lágrimas sentidas, meus pés gelados, a areia molhada. E a gaivota no céu, agora a vejo no céu pairando suave e plena em seu vôo. O cachorro, agora o vejo caminhando na praia, fugindo das ondas, molhando seus pés, pulando e brincando quando chego perto, latindo, deixando marcas sobre marcas de suas patas sujas de areia na minha calça branca. Ainda não sei se caminhei ou se sonhei. Só sei que tudo isso representou os bons sentimentos e momentos da vida, a simplicidade, a sinceridade, a pureza e a alegria de se ter alguém. A mesma alegria que teve o cachorro ao me encontrar. A vida é assim. Uma mistura de sonho e realidade, verdade e mentira, ilusão e realidade, ver e não enxergar, sentir e não perceber, escutar e não ouvir. O branco da manhã não era só névoa. Agora sei que parte eram lágrimas nos meus olhos. Lágrimas que se acabaram diante a alegria do cachorro e suas brincadeiras. Continuei caminhando na praia. O mar calmo, as ondas quebrando levemente, a água fria, a areia molhada, meus pés gelados, a gaivota pairando suave, o cachorro correndo alegre, a névoa presente, agora só névoa. E eu sem lágrimas nos olhos, mas alegria no rosto e no coração por poder, numa pequena caminhada na praia, no início de uma manhã de inverno, ter compreendido o grande sentido das pequenas coisas da vida ? ainda que eu seja velho. Será que caminhei ou sonhei? Quem saberá se eu mesmo não sei?
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