O Diabo E A Terra De Santa Cruz
(SOUZA, Laura de Mello)
"Trazer seu homem de volta,curar maleita, ânsias no coração, bexiga caída, encontrar coisas perdidas, fazer emplastos, garrafadas, com os mais estranhos ingredientes - como o sêmem da pessoa que se quer atingir, fazer o vodu, costurar um patuá - enfim a colônia - purgatório do século XVII - XVIII - se encontrava envolvida numa nuvem de crendices, superstições, medicina alternativa, comportamentos estranhos dos colonos que agiam tanto para o bem quanto para omal. Indios, Brancos e Negros se misturavam nesse universo brasileiro de magias e feitiçarias." O recorte feito das práticas mágicas nesse livro engloba desde os desvios e heterodoxias dos colonos em relação á Santa Madre Igreja, com suas chantagens, sadismos aos santos, com sua economia de troca entre devoto e oráculo, contratos de promessa e dívidas, até "trabalhos" de feitiçaria e bruxaria como adivinhações, curas, benzeduras, mandingas, sabbats, vodus, passando pela questão do corpo feminino, tratado como abrigo certo do demônio, e remédios da extensa flora tropical usados para combater as desgraças do corpo, vindas com certeza de atos de feitiçaria. A discussão do significado dessas práticas engrossou a historiografia da Nova História Cultural por trazer implícita questões como a tensão social existente na sociedade escravista, questões de resistência e acomodação ao sistema, sobrevivência material e a busca ou ligação com o espiritual, alternativa para novas maneiras de continuar sendo cristãos na colônia . "O mar era o espaço por excelência do medo: era o domínio privilegiado por Satã e as forças infernais"(pg185).As mulheres eram impelidas a fazer feitiços de saudade e medo pela vida de seus maridos e filhos envolvidos na faina ultramarina; aprendiam seus segredos com os diabos que muitas vezes moravam em embarcações ou nas profundezas oceânicas.As saudades da Europa eram sanadas pelas invocações. Era o demônio que lhes permitiria ir da Colônia ao Reino em uma só noite. A vida religiosa na colônia não tinha a regularidade e frequência da metrópole. Aquí, muitos moradores passavam anos sem ver um sacerdote, sem participar de uma missa ou frequentar um sacramento. Essa carência associada aos preconceitos de se misturarem em alguma cerimônia religiosa quando havia, incrementou a vida religiosaprivada e abriu espaço para desvios e heterodoxias. Nas casas - aspersão de água benta, fixação de cruzinhas de madeira á porta de entrada, imagens e amuletos lembravam a presença do Sagrado no lar. Guardavam-se talismãs como a rosa-de-jericó que, posta num copo d''água, na intenção de uma parturiente, se abrisse significava bom sucesso, se fechasse era morte certa.Guardava-se ainda a folha benta de domingo de ramos, antídoto de raios e tempestades. E medalhinhas milagrosas, escapulários, bentinhos e livrinhos de orações e ladainhas. O bispo do Rio de Janeiro (séc. XVIII) guardava lasquinhas da coluna da flagelação e da cruz de Cristo, um fio de cabelo de N. Srª , pedacinhos de ossos dos apostólos, ao todo quatorze nichos.Os devotos tinham íntima relação de troca com seus oragos, mandando cunhar mensagens e ilustrações de milagres obtidos, como forma de agradecimento e cumprimento do contrato. A religiao era o centro dessa cristalização e vivência de práticas privadas e uma das razões primordiais da existência terrestre.Pestes, pragas, tempestades, eram entendidas como castigo de Deus aos pecadores, além dos castigos individuais como a condenação eterna e o fogo do inferno. Esse medo levava a práticas de "comprar" um pedaço do céu, pagar aos padres pelo descanso eterno da alma, mortificar o corpo, se auto-flagelar, etc...Sacrifícios, mortificações buscavam a perfeição mítica, mas ter santo penitente ou beato dentro de casa era garantia de prestígio. Eram beatas que se tornavam santas passando a disputar intimidades com o sobrenatural - como é o caso de Rosa Egipciana, uma ex-prostituta do Brasil colônia, gra, com cabelos de carapinha, os quais o menino Jesus vinha diariamente pentear. O relacionamento com os santos incluía amor e ódio, louvores, adulação, rituais intimidade e até agressão física.As mulheres em trabalho de parto corriam a buscar o manto ou o óleo da lãmpada votiva de Nossa Senhora do Bom Parto, colocados sobre a barriga para garantir a ''boa hora".Capas, vestidos com ricos bordados, brincos, colares, broches, enfeitavam as imagens que eram tratadas com adulação por parte das beatas e fiéis. Ao Santo Antônio de Lisboa, cupido celestial e ajudante na captura de negros fugitivos, a tortura era o melhor meio de fazê-lo atender ao pedido. Por isso os maus tratos á imagem do santo, como colocar uma pedra em cima dele, virá-lo de cabeça para baixo num poço escuro, eram práticas comuns com o estabelecido no contrato; embora perseguidas pelo Santo Ofício. Essa violência ás imagens e a símbolos sacros era também reação de crentes de outros sistemas religiosos que eram obrigados a praticar o catolicismo por ser a única religião permitida. Cartas de amor, simpatias, pactos com o diabo em salmos e orações fortes faziam parte da crendice popular da Bahia. A Igreja tentava sempre impedir a propagação da crença no mundo sobrenatural e atribuía as curas ao poder dos santos católicos: Santa Apolônia para dor de dente, Santo Amaro para cicatrizar feridas, Santa Brígida para dores de cabeça, Santa Margarida para partos difíceis, etc... A casa era o espaço das práticas religiosas quando o exorcismo da Igreja não curava doenças que o demônio havia colocado. Nesses casos, as artes do demônio ajudariam mais e os feiticeiros abusavam do mundo agrário com ferveduras de ervas, emplastos, e ainda a prática de vodus, uso de talismãs e fetiches da Àfrica, amuletos e cerimônias de cura indígenas com a flora medicinal brasileira. Magia e cura tinha muita relação com a sexualidade e o corpo feminino, mais visado pelo demônio por sua vulnerabilidade. O Sangue secreto da menstruação foi gerador de uma série de supérstições e práticas. Mulheres "depravadas!, para granjear a afeição dos homens ou até matá-los, faziam com que eles ingerissemm o sangue menstrual. O sangue menstrual arruinava, deteriorava, contaminava os que tivessem contato com a portadora e estragava leite, vinho, colheita e tudo o que ela tocasse. Sabe-se hoje, que a mulher menstruada libera uma substância química (pelo suor, hálito) que se liga ao carbono contido em certos alimentos (bolos, pães, vinhos)estragando-os. As adivinhações eram práticas associadas ao demônio. Os curandeiros (sexo masculino) podiam curar ou desencadear a morte. Havia curas com palavras que misturavam religiosidade, ocultismo, satanismo. Na falta de médicos o sobrenatural dominava a medicina.... Trazidas da Europa pelos colonos , e aquí se fundindo com as práticas indígenas e africanas trazidas pelos escravos, a partir do momento que se acreditasse nelas, não havia o que elas não fizessem...Do simples ao impossível, do real ao ilusório, as práticas mágicas coletivas ou individuais eram uma válvula de escape, na qual a população da colônia via uma maneira de se refugiar dos maus tratos da vida, de descarregar ódios e rancores, de obter afeto e ascensão material, de desejos e anseios reprimidos, de sonhar, enfim a magia e os feitiços, os demônios e bruxas, as almas dos mortos e os santos, os amuletos e a medicina alternativa, tudo estava arraigado a cultura popular no Brasil antigo. E esta cultura totalmente original, apesar de ter perdido muito de seus significados e de sua mistificação, através dos anos persiste entre as inúmeras práticas mágicas nas mais diversas camadas da sociedade brasileira...
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