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Anão De Jardim
(Lygia Fagundes Telles)

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Em "Anão de Jardim", conto de Lygia Fagundes
Telles, o fantástico é fruto da união da humanização da coisa (estátua) e
das próprias características do ser que ela representa (anão). O conto é
narrado Em primeira pessoa. Assim, a autora não apenas nomeia o inominável,
como também confere-lhe sua própria linguagem. A história é banal. Kobold,
um anão de pedra aguarda a demolição da casa em cujo jardim conheceu a
plenitude de sua existência inanimada. Abandonado no caramanchão junto a um
violoncelo quebrado, observa o trabalho dos operários enquanto relembra os
fatos de sua existência. O destino de Kobold é o mesmo da casa, também está
sujeito ao abandono e à destruição. Porém, o destino de ambos é idêntico ao
do proprietário da residência. O Professor foi envenenado aos poucos com
arsênico pela esposa. Hortênsia o traia e pretendia desfrutar a herança com
o amante. Após a morte do Professor, ela vendeu a casa e desapareceu. Todos
foram embora e o anão ficou "como o homem que é prisioneiro de si mesmo no
seu invólucro de carne, a diferença é que o homem pode se movimentar". O
professor era o único que compreendia o anão. Foi ele que comprou-o num
antiquário, instalou-o no caramanchão e deu-lhe o nome de Kobold. Conversava muito com a
estátua, mas era tão ingênuo que, às vezes, despertava a ira
do anão. O conto desnuda os problemas resultantes da interação
entre as pessoas mediada pelas coisas. Lygia sugere que a
humanização dos objetos equivale à desumanização das pessoas.





       O Professor dá atenção a Kobold, Hortênsia ao
patrimônio do esposo. Mas, o comportamento de ambos é
semelhante. Afinal, se Hortênsia somente vê o Professor como
uma coisa, cujo desaparecimento franqueia-lhe o acesso à outras
(a herança), ele mesmo atribui à esposa um valor menor que o de
um objeto inanimado. Afinal, o Professor entrega-se às conversas
com o anão de jardim, mantendo a esposa na mais abjeta solidão.
As coisas que mediam as relações entre ambos não são nem
poderiam ser culpadas pela distância existente entre eles. É
sintomático que só Kobold tenha se dado ao trabalho de narrar a
história do casal. Nenhum dos dois estava realmente interessado
naquele casamento. Mesmo tomando a defesa do Professor, é
impossível ao anão esconder o quanto seu amigo era cruel. Cruel
ao ponto de dar mais atenção a uma estátua que a esposa. Em
"Anão de Jardim" é patente a preocupação da autora
em desmascarar o cinismo existente nas relações interpessoais.
Para Lygia parece que todo o tecido social está doente, porque
sua célula mater (a família) não funciona como deveria.
Distanciamento, impessoalidade seriam as causas da infelicidade
e, em última análise, da violência. Violência que não é só
física (como o envenenamento de Professor) mas também e
principalmente psicológica (como o desprezo devotado a
Hortênsia). Às coisas, impassíveis, inanimadas e, portanto,
irresponsáveis pelo desconcerto do mundo, só restaria observar
e contar a história de seus donos. Fazendo isso, mesmo que tomem
partido, e justamente porque o tomam, denunciam à que ponto
chegaram os seres humanos num tempo em que suas relações já
não são diretas, mas mediadas pelos objetos. Enfim, só mesmo a
eloqüência da pedra para aquecer nossos corações que se
tornam mais surdos e mudos a cada dia que passa. É aqui que o
trabalho com a linguagem assume o primeiro plano. Lygia não
apenas nomeia o inominável, mas confere vida e linguagem ao seu
personagem fantástico. Mas não será isso outro índice da
impossibilidade de comunicação entre os seres humanos? É
preciso que Kobold, um ser inanimado, narre a história em
primeira pessoa para percebermos o quanto nossa própria
linguagem tornou-se uma prisão. A história de ambos é tão
banal que não despertaria qualquer atenção se fosse contada
por um narrador mimético, cuja linguagem se aproximasse da
empregada pelas personagens. Afinal, o Professor fala com a pedra
e Hortênsia engana-o a propósito de envenená-lo. O discurso de
um é excessivamente autocentrado o da outra mentiroso. Rompendo
com a lógica usual, "Anão de Jardim" alerta-nos o
quanto esta lógica é apenas aparente. Absurda não é a
literatura, mas o mundo a que ela destina-se. No fundo, a
realidade tornou-se tão fantástica que a arte já não pode nem
consegue mais imitá-la. É preciso recriá-la como linguagem e
representação para que possamos tomar contato com ela tal como
ela é. Enfim, só o inusitado confere à obra alguma
verosimilhança em relação ao meio em que ela foi concebida e
para a qual retorna. Intencionalmente ou não, em seu conto Lygia
revela sob as camadas textuais uma preocupação essencialmente
estética. Mais que isso, sugere um novo conceito de mimesis. A
questão então é saber até que ponto poderemos suportar-nos
diante dele. "Anão de Jardim" não é um enigma. É a
própria esfinge, pronta para devorar-nos se não formos capazes
de responder às suas indagações. Sob a roupagem de felino
alado com cabeça humana do conto está o próprio leitor.
Defrontado com o espelho, será ele capaz de responder à
pergunta "o que sou eu?" É impossível deixar de notar
o sutil parentesco entre o conto analisado e "Os
objetos" da mesma autora. Neste, a tensão é gerada pela
maneira distinta como as personagens encaram as coisas. Lorena
acredita que elas tem valor em si mesmas e Miguel que o valor
delas reside na sua utilidade para o homem. Há uma vaga
possibilidade de que Kobold seja o mesmo anão de jardim que
Lorena e Miguel viram no antiquário onde estiveram. Isto aumenta
as relações entre os dois textos. A diferença entre ambos não
reside apenas no foco narrativo, de terceira pessoa em "Os
objetos" e de primeira em "Anão de Jardim", mas
principalmente no caráter mimético e fantástico dos
narradores. Ambos contos tratam do mesmo tema, porém, de
ângulos diametralmente opostos. No último a impessoalidade é
levada a um extremo inexistente no primeiro. O que teria mudado?
O mundo, a escritora ou ambos? Estas são questões difíceis de
serem respondidas. Todavia, o parentesco entre as obras denota
mais que uma constante preocupação com o mesmo tema. A mudança
na abordagem, o aprofundamento do questionamento acerca da
intermediação das relações humanas pelos objetos mostram o
quanto Lygia tem feito e ainda pode fazer pela literatura.
Particularmente pelo gênero fantástico em que vazou o conto,
sem dúvida alguma um dos melhores contos já escritos em língua
de anão de jardim.



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