Um Copo De Cólera
(Raduan Nassar)
Um Copo de Cólera flagra Um dia na vida de um casal. Ele é um homem de aproximadamente 40 anos, que constrói para si, em sua chácara nos arredores de São Paulo, um mundo à margem da sociedade. Ela é uma jornalista atraente e feminina, politicamente atuante. No final da tarde, quando ele chega na chácara, ela já está ansiosa, à sua espera. Passam pelo terraço, pela cozinha e sem muita conversa, entram no quarto e começam a se despir. Na manhã seguinte, depois de uma intensa noite de amor e de um banho demorado, enquanto tomam o café da manhã, ele percebe um rombo feito por saúvas em sua cerca viva. Esse acontecimento banal deflagra nele um súbito ataque de cólera e a aparente harmonia entre os dois se rompe. Eles se atracam num rude bate-boca, desencadeando um turbilhão de emoções e paixões em um clima tenso e contundente. Sinopse e comentário. Romance existencial. Mulher e homem encontram-se no sítio deste, em silêncio. Amam-se intensa e apaixonadamente durante todo o dia, até que na manhã seguinte tem início o conflito. Ela, jornalista, critica o seu isolamento e o niilismo, que entende como reacionários. Ele, cansado do mundo, ataca o que vê como demagogia nas atitudes pretensamente democráticas dela. A discussão se estende até arranhar a agressão física e a separação. Como o anônimo casal que protagoniza o filme, é a intensidade da relação amorosa e a individualidade que brigam em Um Copo de Cólera. A discussão que atravessa o filme é tão forte e excessiva quanto a cena de sexo que o inicia. A linguagem adotada, no entanto, por mais visualmente cinematográfica e bem fotografada, perde-se quando se reduz à reprodução do discurso literário, soando pouco convincente e mesmo tornando-se cansativa. O texto, transposição fiel do romance no qual se baseou, acaba sendo o pior e o melhor (na bela cena final) do filme. "... e estava assim na janela, quando ela veio por trás e se enroscou de novo em mim, passando desenvolta a corda dos braços pelo meu pescoço, mas eu com jeito, usando de leve os cotovelos, amassando um pouco seus firmes seios, acabei dividindo com ela a prisão a que estava sujeito, e, lado a lado, entrelaçados, os dois passamos, aos poucos, a trançar os passos, e foi assim que fomos diretamente pro chuveiro." "O corpo antes da roupa", afirma o personagem de Um copo de cólera ao narrar o que acontece numa manhã qualquer, depois de uma noite de amor, quando a aparente harmonia entre ele e sua parceira se rompe de repente. Tensa, contundente, a linguagem de Um copo de cólera alcança tal intensidade e vibração que faz desta narrativa uma obra singular da literatura brasileira, um clássico dos nossos tempos.Na recente história da ficção brasileira, pode-se vislumbrar, com muitas omissões, a seguinte linha evolutiva: fusão da oralidade popular com a tradição erudita do português escrito, em Guimarães Rosa, que produziu, depois de Euclides da Cunha, a mais poderosa experiência de sintaxe do século 20; minimização com o trabalho com a sintaxe, em Dalton Trevisan e Rubem Fonseca, que objetivaram o despojamento próprio da frase jornalística, com inclinação para a univocidade do discurso. Se essa última experiência representou uma saída satisfatória para o impasse roseano, nem por isso deixou de privar o leitor da literatura conceitual, com densidade filosófica. Nos anos 70, Raduan Nassar empreendeu um retorno à especulação sintática, escrevendo um díptico tão necessário quanto maravilhoso: Lavoura Arcaica (1975) e Um com de cólera (1978). <...> Em primeiro lugar, Um copo de cólera é uma afirmação peremptória, mas não arriscada: trata-se de um dos mais belos e bem acabados exemplos de novela na literatura brasileira, entendendo-se pelo termo uma narrativa relativamente curta e muito densa em torno de um único episódio, o qual deve conservar a instantaneidade fugaz do fluxo contínuo da vida. É sobretudo a partir dessa noção que Um copo de cólera poderá ser lido como um clássico, um admirável modelo de como sugerir uma longa história por meio de um pequeno fragmento do cotidiano.
Resumos Relacionados
- Um Copo De Cólera
- Um Copo De Cólera
- Um Copo De Cólera
- Raduan Nassar - Vida E Obra
- Love In The Time Of Cholera
|
|