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O Jardim Do Diabo
(Soneca)

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Eu não entendia por que meu pai tinha todos aqueles livros encadernados, guardados com aquele carinho, e ao mesmo tempo me dizia para ter cuidado: ?Cuidado com as leituras, cuidado com as leituras!? Havia uma edição ilustrada das Mil e Uma Noites, odaliscas carnudas em papel acetinado que Eu não sabia se olhava ou se cheirava, a Ilíada - ?Esqueça os gregos!? - e até uma edição com capa de couro e letra gravada em ouro de O Capital, que eu olhei só uma vez, procurando as figuras. um dia ele me encontrou sentado no chão da biblioteca, com um livro aberto na frente, namorando uma gravura sombria do mar, e decidiu fazer uma das suas declarações em tom de oratória. Ele falava do mesmo jeito para um filho menor, um colega de congregação ou um jardineiro, e certa vez fora visto discursando animadamente para um pipoqueiro sobre o simbolismo das chagas de Cristo. Disse: ?Todos estes livros, todas estas histórias, todas estas idéias, todas estas palavras não significariam nada - nada! - se não fosse uma coisa. Você sabe o quê?? Não adiantou eu fazer ?não? com a cabeça, ele não estava me olhando. ?Uma coisa que dá sentido a tudo, uma coisa sem a qual as palavras são apenas manchas no papel, todas as histórias não passam de encantações e todas as idéias nascem mortas. O que é? Me diga, o que é?? Eu disse que não sabia. Ele baixou a voz, dramaticamente, e respondeu sua própria pergunta. ?O pecado.? ?Certo?, disse eu, como se tivesse entendido e concordava sem hesitação. ?O pecado!?, gritou ele. ?O que nos condena é o que nos salva. Ou, pelo menos, salva a nossa literatura.? Ele sentou na sua poltrona preferida, que tinha o couro rachado. Estava, agora, falando sozinho. ?Muitas vezes você vai ler um livro e sente que ali falta alguma coisa. Idéias, ótimas. Redação, perfeita. Erudição. Estilo. Tudo. Mas falta uma noção do pecado. Você sente que o autor reuniu todos os ingredientes mas esqueceu o principal. Quem não tem a convicção do pecado nunca fará a grande literatura. Você concorda?? ?Certo?, respondi, cem por cento de acordo. Ele pareceu se dar conta da minha idade e fez um adendo. ?É possível manjar branco sem a essência do coco?? ?Impossível?, concordei. Manjar branco era uma das paixões dele. Anos mais tarde concluí que ele mantinha a biblioteca como um ex-alcoólatra mantém uma adega bem estocada, para ter sempre à mão a magnitude da sua renúncia. Ou um vertiginoso que escolhe viver à beira do abismo, como um desafio. Depois descobri que aquela era sua vida clandestina. Uma das suas vidas clandestinas. Eu o entendi depressa demais.





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