Lolita, De Vladimir Nabokov
(Giselly Greene)
Como transformar a estória de um pedófilo inveterado numa narrativa riquíssima, sólida e interessante? Nabokov mostra como, em 36 fantásticos capítulos, dando a palavra a um dos personagens mais inesquecíveis e palpáveis da literatura mundial. Humbert Humbert, o protagonista deste romance, é um bem afeiçoado inglês que aluga um quarto na "pavorosa construção" de Charlotte Haze, mãe da ninfa do título. Ao ver a menina, inexplicavelmente Humbert fica encantado e passa a dedicar sua vida a inocentes tentativas de se aproximar dela sem que alguém perceba suas reais intenções. Tarefa essa na qual não encontra obstáculos, pois logo Charlotte se apaixona por ele (não resistiu ao charme humbertiano, hein), e se casam. Pouco tempo depois (ao descobrir um diário no qual Humbert armazenava seus pensamentos supostamente "libidinosos" a respeito de sua filha), Charlotte fica horrorizada e desnorteada e, ao atravessar a rua cega de perturbação, ela morre atropelada, deixando assim sua Lô nas garras do ninfolepto.Pode-se dizer que a sorte sempre esteve ao lado de nosso Humbert, pois ele não teve nenhuma dificuldade em saciar seus desejos (que incluíam apenas caricias não comprometedoras, seja lá o que isso quer dizer), como também em ir muito além do que se pode ir, tendo em vista o decoro comum. Profundo conhecedor da arte nínfica, Humbert se torna padrasto-amante de Lolita, e convida o leitor a compartilhar de sua longa viagem, que leva sua jovem musa a tiracolo. A partir daí, a sorte está lançada. Muita paranóia ainda perseguirá nosso carismático Humbert que, aliás, é para mim, o maior trunfo deste romance.Bem mais do que Lolita, Humbert é a alma da narrativa, contando sua triste estória com uma desesperada eloqüência (apesar de sua quase perda dos sentidos) e, concomitantemente, com uma visão que é tanto objetiva (pois ele não esconde absolutamente nada) quanto subjetiva (por conta de seu estilo humbertiano aplicado à narrativa). Não se trata de um maníaco cuja função é corromper jovens indefesas, mas de um homem comum cujos desejos indicam uma personalidade que pode ser chamada de quase qualquer coisa, menos de lunática. O irreversível processo de enlouquecimento pelo qual é levado por Lolita representa muito mais o poder dela sobre ele do que o oposto.O prefácio ("escrito" pelo personagem John Ray) foi elaborado de forma a fazer o leitor acreditar que a estória e seus personagens são reais e que no livro suas vidas são destrinchadas sob o manto de cognomes. Funciona tão bem quanto toda a embasbacante narrativa, que surpreende não apenas pelo motivo óbvio e tema polemicíssimo (a paixão de um homem por uma "criança"), mas também pelo primor da forma, da destreza e amostragem da personalidade incomum do protagonista.Nabokov partiu de um ponto excepcionalmente banal (Lô) e transformou em uma obra de arte o objeto de desejo, de loucura e de paixão de Humbert. Tudo isso utilizando uma escrita clássica (mas em nenhum ponto pedante ou antiquada) e perpétua, abrangente, marcante e intensa, tal qual seus personagens. Até mesmo na frivolidade contida da mamãe Haze (isso sem mencionar a real nulidade intelectual da escandalosa filha), Nabokov encontra profundidade, e esta se torna sua especialidade logo a partir do primeiro parágrafo do livro, na inesquecível seqüência em que magnificamente pronuncia pela primeira vez "Lo. Li. Ta", abrindo espaço para sua obsessão.Escrito em 1955, ainda é e provavelmente sempre será atual, dado que sempre existirão Humbert Humberts da vida perambulando à solta por aí. De todas as coisas sábias que Oscar Wilde nos legou, relembro aqui aquela citação na qual ele diz que "não existem livros morais, nem imorais, mas apenas livros bem ou mal escritos". Isso se aplica muitíssimo bem aqui. Não exagero ao afirmar que a leitura deste romance me fez repensar minha "carreira" literária (ou a carreira que eu deveria ter). Por conter tantas e tão inassimiláveis qualidades, este romance me mostrou que jamais atingirei tal nívelartístico, sendo assim, seria preferível cessar de tentar desde já. Curiosamente, meu único arrependimento a respeito disso é o de não ter descoberto Nabokov antes de me deixar arrebatar pela Literatura, pois é um pouco tarde para desistir.Mas, esqueçamos isso, pois além de abrir-me os olhos para a minha evidente (aos outros) ausência de talento, esta obra-prima nabokovista também se tornou meu livro de cabeceira e minha obsessão. Não apenas pela estória em si, mas pela forma com que ela é indefectivelmente contada. Há tantas peculiaridades a se apreciar neste livro que não há superlativos suficientes no planeta para descrevê-lo fielmente. Leitura mais que recomendada, gloriosa, transcendental e ainda assim obrigatória.
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