Possuido
(François Fournier-Gendron)
Quando os outros convidados se foram deitar, voltei ao quarto do estrangeiro. Bati à sua porta. Não obtive resposta. Entrei. O que observei deixou?me a reflectir. O estrangeiro, quase sempre tão sereno e seguro, tremia, contorcia?se angustiado. Estava de pé, em frente à lareira, receando algo. ?Vinha apenas desejar-lhe uma boa noite?, digo lhe isto preparando-me para sair... ?Entre, entre? responde-me. ?Vou precisar de si na prova que me espera. Se me quiser ajudar ?? As palavras do desconhecido foram abafadas por um terrível estrondo. Um fogo ardente surgiu da lareira. De repente surge das chamas um rosto horrível. ?Miserável mortal! Não respeitaste o nosso pacto! Os convidados vivem para sempre! ?, gritou a criatura com uma voz monstruosa. Esta voz não era uma voz. Era o próprio mal, representado por palavras e sons. O rosto, o horrível rosto, fulminou-me com o seu olhar maquiavélico antes de desaparecer. O estrangeiro mergulhado em suor observava-me, tenso. Sem gritar por socorro, as minhas pernas lançaram-se sobre ele, os meus braços levantaram-no, uma força que não era minha fez-me projectá-lo para a outra extremidade do quarto. O homem levantou-se, curvado, ensanguentado e pergunta-me: ?O que é que lhe aconteceu? É louco? ? Não sabia o que me tinha acontecido. Não fui eu que ataquei este homem. Algo me possuía, brincava comigo, manipulava-me como se eu fosse uma simples marioneta. A minha mão, que já não me obedecia, agarrou num espeto e lentamente, horrorizado comigo mesmo, caminhei em direcção ao desconhecido, para o atacar. Aos gritos, o homem tentou me chamar à razão, mas foi em vão. Continuei a caminhar em direcção à minha vítima, sentindo um sorriso bárbaro desenhar-se no meu rosto. O estrangeiro apontou a sua arma de caça, verdadeira obra de arte, à minha cabeça e atirou. O tiro encheu o quarto com um fumo sombrio. O que me surpreendeu foi que, apesar do chumbo me ter atravessado o cérebro, dirigia-me sempre, maquinalmente, para o estrangeiro. Um terror interminável transparecia nos seus olhos, um poder aterrorizante iluminava os meus. O estrangeiro abriu freneticamente um frasco em forma de cruz e atirou-me com o liquido. Uma dor aguda deformou os meus traços. A água benzida agia como um ácido e queimava brutalmente o meu rosto. Sem hesitar, o estrangeiro lançou-se para a porta para fugir, para fugir do louco em que eu me transformara. Para o interceptar, da minha boca jorram torrentes de chamas que envolveram o fugitivo com o seu calor mortal. Este lançou-se por terra, gritou, esperneou e, finalmente, asfixiou nas labaredas do fogo. As minhas pernas deram um salto prodigioso e de seguida o meu braço lançou o espeto na coxa do infeliz. Era demasiado. Com todas as minhas forças, tentei lutar contra este poder que fazia de mim seu carrasco. A minha revolta era inútil. O meu braço retirou e recolocou, retirou e voltou a recolocar o espeto no corpo devastado do agonizante. Subitamente, ouvi passos que se aproximavam. O meu corpo escondeu-se e esperou. Os convidados entraram com o barulho e gritaram de horror. Uma última respiração, o estrangeiro implora-lhes que partam e fizeram-o com muita covardia. Saí do meu esconderijo e fixei o homem que tinha morto ou antes, o homem que tinham feito com que eu o matasse. O cadáver esfaqueado transformou-se num espectro que deixou o quarto para a escuridão do céu. Seguindo-o, as minhas pernas arrastaram-me para junto da janela aberta e o meu corpo foi projectado para fora. A queda esmagou-me os ossos. Antes de naufragar na morte, vi o infame rosto sair de dentro da minha cabeça e escutei o seu riso satânico afastar-se na noite? Terminou. De manhã, o quarto foi encontrado vazio e nunca mais ninguém se atreveu a fazer qualquer tipo de comentário sobre este estranho homem.
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