Os Comedores De Pérolas
(João Aguiar)
Este livro faz parte de uma trilogia sobre Macau, que fica completa com o O Dragão de Fumo e A Catedral Verde, tratando-se assim do Ciclo de Macau. Todo o livro é contado na primeira pessoa, em forma de diário pessoal, convenientemente datado, onde os acontecimentos vão sendo inscritos de forma original, com os passos dados pelo jornalista/escritor Adriano Carreira e os seus pensamentos mais recôndidos. Designado para organizar o espólito de literário do Comendador Wang Wu, Adriano, depressa se dá conta que a história benevolente que envolve o comendador não é assim tão generosa, pois as provas de riqueza feita à custa de acções ilegais, de ópio e dos cules, que era mais precisamente a exportação de jovens chineses em regime de escravatura para as Américas, que eram prática corrente na altura do comendador, são bastantes... mas Adriano estava prestes a descobrir ainda mais ?podres? de Wang Wu. Podemos encontrar ao longo da história diversos personagens que interagem em maior ou menor grau, com o escritor, todos eles descritivamente ricos e com alcance psicológico ainda maior. Conforme a leitura vai avançando vamos desvendando alguns enigmas, relacionados com essas personagens. Nas relações com o jornalista, temos então, Daniel, um ex-colega de faculdade, que reside em Macau e que o tenta alertar para o abismo cultural entre Portugal, Macau e China. A trabalhar com ele, encontramos o cínico Xavier, que o ajuda com os escritos em chinês e o frágil, Jorge Silveira, que traduz os escritos em inglês. Lei Siu Lam, é o seu enigmático vizinho, que lhe aparece em casa, usando sempre a varanda como porta de entrada, e esta pareceu-me uma das personagens mais interessantes de todo o enredo, pois ele está muito próximo de Adriano e no fim irão perceber porquê (embora neste caso não tivesse sido uma grande surpresa para mim). Menciono ainda Ricardo Wang, neto de Wang Wu, que financia o projecto de recuperação do espólito e Rosa Leong, que é uma jornalista afamada de Macau, que consegue trocar as voltas todas ao escritor... Adriano depressa se vê metido numa verdadeira embrulhada, percebendo que anda a remexer em algo mais podre, que não devia ser descoberto por ele, começa a sentir-se ameaçado em todas as frentes. Afinal o que há por detrás de todo este espólito? Que mensagem enigmática é aquela que encontrou logo na 1ª caixa? O que é que o Comendador tinha a esconder? Porque é ele uma ameaça para Richard Wang? Os acontecimentos mais imprevisíveis dão-se diante a nossa leitura, sem que nos possamos aperceber deles, havendo um verdadeiro suspense e muitas vezes alguma surpresa quando estão já consumados, sortindo aquele efeito tão desejável aos leitores. Este livro embora coloque a nú algumas questões fundamentais da transição de Macau para a China e de algumas implicações que isso trouxe aos residentes portugueses de lá, não estamos a falar de nenhum tratado sobre isso, mas apenas de um romance que tem como pano de fundo esse cenário e que muitas vezes especifica as ?qualidades? portuguesas face a todo esse processo. Querem exemplos? Aqui vão eles... ?Aquilo é sacar enquanto se pode, antes de 1999. É abanar a árvore das patacas, a ver quem saca mais! / (...) Hoje, essa gente veio aqui parar à falta de melhor sítio, mas muitos encontraram mais do que um recurso: encontraram uma resposta para o seu dilema de portugueses-distanciados, para quem Portugal é uma tradição e uma saudade, mas seria um calvário insuportável se tivessem de o viver no dia a dia." Além de tudo o que já referi, encontramos ainda pensamentos tão simples, que se tornam tão profundos a cada escrito de ?Adriano?, desabrochando sentimentos e juízos, desvelando angústias e constatações, elucidando prazeres e receios... "Eu jamais cometi a idiotice profunda de me proclamar ateu, graças a Deus. Mesmo quando, no liceu, descobri Nietzsche e entrei na dança do super-homem e da morte de Deus, nunca deixei de viver, essencialmente, fundamentalmente, naideia da ligação, (esta palavra encontra-se em itálico, pelo próprio autor) da ponte entre o homem e a divindade. Era um falso nietzscheano e um verdadeiro religioso ? porque ser religioso é isto, tanto pela etimologia como pela essência." Assim, nas entrelinhas discernimos alguma filosofia e também psicologia, emergendo no pensamento desta personagem, o que a mim muito gozo me deu... A forma como o autor descreve certos sentimentos, é subtil, mas aspira ao aprisionamento do leitor, algo que acho que consegue bastante bem, pois apesar de se tratar do retrato de um diário, a linguagem fluída é uma constante e os diálogos apresentam-se espontâneos e cativantes. De uma forma geral, é um livro agradável, com passagens que nos obrigam a alguma reflexão e coloca em causa a forma como a tradição portuguesa (leia-se corrupta) passou para os povos de Macau e como esse legado foi deixado (quase sem rei nem roque) à China. No entanto, a história misteriosa que se encontra no cerne do livro, desenrola-se antes de chegarmos às últimas páginas, como se estas últimas páginas fossem apenas para dar um desenlace a pontas ainda por atar, mas isto não é bem uma crítica, até porque depois de se descobrir todo o mistério, havia ainda algumas coisas a dar resposta, mas fica-se a pensar, bem já se sabe tudo e o livro ainda tem mais meia dúzia de páginas...
Resumos Relacionados
- Os Comedores De Pérolas
- As Memórias De Adriano
- Macau: Poder E Saber
- Portugal E O Papel De Macau
- Memórias De Adriano
|
|