O Despertar Chinês
(Rodrigo Constantino)
A ideologia é uma máquina que trucida fatos quando estes incomodam. Por
décadas, a China foi um país escravo do socialismo. Tudo que a
“revolução cultural” de Mao conseguiu foi muita miséria, terror e
escravidão. O “grande salto” era um pulo do precipício. Algo começava a
mudar na era mais pragmática de Deng Xiaoping, onde a cor do gato
importava menos que caçar o rato. Desde então, as reformas adotadas
distanciaram um pouco a China da utopia comunista. Esta pequena
aproximação do capitalismo já foi suficiente para uma enorme revolução,
que trouxe mais riqueza para um povo tão sofrido.
Claro que a
China ainda está longe de ser um ícone do capitalismo. A herança
comunista ainda pesa muito sobre os ombros da população. A alocação de
recursos ainda é bastante ineficiente por conta da influência política.
A ausência de liberdade econômica tolhe muito a criatividade
empresarial. Vários “abacaxis” ainda terão que ser digeridos ao longo
do tempo, fruto do legado comunista. Mas o fato é que privatizações
ocorreram, direitos de propriedade foram reconhecidos, investimentos
estrangeiros foram bem recebidos, fronteiras comerciais foram abertas e
o lucro deixou de ser o caminho para o inferno. As decisões passaram a
ser delegadas aos governos locais, descentralizando o poder e
estimulando a competição por investimentos. A participação estatal nos
negócios caiu 13 pontos percentuais, para 33%, desde 1998. Bastaram
estas mudanças de caráter liberal para lançar a China em uma nova
trajetória.
Ainda falta um longo caminho a ser percorrido. A
China conta com cerca de 20% da população mundial mas corresponde a
apenas 3% do consumo global. Mas, na margem, profundas mudanças começam
a ocorrer. Acordaram o gigante que hibernava no pesadelo comunista. A
economia vem crescendo a taxas bastante elevadas, próximas de 10% ao
ano. O dragão tem fome!
Alguns números demonstram bem o
significado desse despertar chinês, ainda repleto de desafios pela
frente. São algo como 300 mil milionários chineses atualmente, enquanto
quase metade da população ainda trabalha na agricultura. O ganho anual
médio na indústria chega a US$ 3.000 enquanto na agricultura
corresponde a 10% desse valor. A parcela de manufaturados no total do
PIB vem aumentando, hoje já em 32%. Do total mundial, a China já
responde por quase 10% da produção de manufaturados, contra algo perto
de 1% em 1950. A produção de veículos saiu de 2 milhões em 2000 para
mais de 5 milhões em 2004. Boa parte desse avanço deve-se à entrada de
multinacionais, “explorando” os trabalhadores chineses, pela ótica
marxista. Os trabalhadores chineses agradecem tal “exploração”. Desde
2001, algo como 10 milhões de chineses foram contratados por empresas
estrangeiras, que pagam salários maiores que a média local.
Uma
pesquisa do Gallup mostrou recentemente o verdadeiro “grande salto”
chinês. De 1994 para 2004, a proporção de casas com aparelho de TV
colorida dobrou, para 82%. O total de casas com refrigerador saiu de
25% para 41% no mesmo período. Eram apenas 3% das casas com microondas
em 1994, comparado a 18% em 2004. A quantidade de casas com telefone
saltou de 10% para 63%. Em termos de computadores, o salto foi de 2%
para 13%, ainda que o governo controle o conteúdo. O consumo chinês
ainda é tímido. Mas os avanços têm sido fantásticos.
O
investimento direto na China tem sido cerca de US$ 50 bilhões por ano.
O superávit comercial ultrapassou os US$ 100 bilhões. Empresas como
Nokia, Ericsson e Phillips já contam com 10% da receita provenientes da
China. O país acumulou mais de US$ 1 trilhão em reservas
internacionais, passando o Japão e atingindo o primeiro lugar no mundo.
A China é o maior comprador na margem das principais commodities
industriais. Antes do despertar chinês era viável simplesmente ignorar
o mastodonte. Atualmente, todos precisam levar em conta o destino
chinês em suas avaliações estratégicas. Jack Welch, ex-CEO da GE, fez
questão de frisar isto em sua autobiografia. O mundo jamais será o
mesmo após o despertar chinês.
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