Ocidentalismo
(Rodrigo Constantino)
Os professores Ian Buruma e Avishai Margalit escreveram um livro no
qual cunharam o termo “ocidentalismo”, explicado como o retrato
desumano do Ocidente pintado por seus inimigos. Nele, os autores tentam
explicar os motivos do ódio que leva determinados grupos a declarar
guerra ao estilo de vida ocidental e tudo que ele representa. A
conclusão é que boa parte da culpa desse ressentimento originou-se no
próprio Ocidente, através de certos pensadores e intelectuais.
A
visão desumana do Ocidente reduz toda uma sociedade ou civilização a
uma massa de parasitas sem alma, decadentes que vivem apenas para o
prazer imediato. Quando essa visão de que os outros são menos humanos
adquire força revolucionária, leva à destruição de seres humanos. As
causas dessa imagem perversa possuem raízes históricas. Por trás dela,
está a noção de que os homens desafiaram Deus, colocando-se como centro
do universo e transformando suas relações em trocas impessoais ligadas
apenas ao dinheiro. A cidade passa a ser vista como desumana, um
zoológico de animais depravados, consumidos pela luxúria. Nas palavras
dos autores, eis o resumo da visão ocidentalista da cidade, do
capitalismo, e da ‘civilização-máquina’ ocidental: “uma prostituta sem
alma como um autômato voraz”.
Os intelectuais ocidentais, com
raras e nobres exceções, contribuíram muito para essa imagem. Entre as
causas, pode estar o fato deles saberem que, em uma cultura comercial,
o papel dos filósofos e dos literatos é, na melhor das hipóteses,
marginal. Os temores e preconceitos afetam as idéias dos intelectuais
urbanos, que se sentem deslocados num mundo de comércio em massa. Na
tentativa de “reformar” os homens, como se apenas os intelectuais
tivessem a sabedoria para conhecer o caminho da salvação e os
verdadeiros interesses individuais, vários pensadores pariram idéias
revolucionárias que derramaram oceanos de sangue. As massas foram
cobaias desses cruéis experimentos.
Os exemplos são vastos. Os
soldados do Khmer Vermelho, por exemplo, vinham de áreas miseráveis e
eram analfabetos, mas os líderes do movimento que exterminou quase um
terço da população do Camboja tinham estudado em Paris, sofrendo forte
influência de Sartre e Marx. O próprio Pol-Pot era um desses. O
objetivo era restaurar a pureza e a virtude do seu povo, e o meio usado
foi o sistemático assassinato em massa. O mesmo ocorreu na “revolução
cultural” de Mao Tse-Tung, na China, ou na revolução comunista dos
bolcheviques.
As democracias liberais do Ocidente valorizam o
indivíduo comum, e o livre comércio preserva justamente a busca da
satisfação dos interesses particulares de cada um. Fica faltando, na
visão dos ocidentalistas, o sacrifício e o heroísmo. O renascimento só
pode vir através da destruição e do sacrifício humano, por esta ótica.
O piloto kamikaze, durante a Segunda Guerra, é o símbolo perfeito
disso. O culto à morte no Japão vicejou em meio ao mais alto nível de
sofisticação tecnológica, cultural e industrial. Suas raízes não podem
ser encontradas na pobreza. Esses kamikazes se viam como intelectuais
rebeldes, enfrentando a corrupção ocidental, o capitalismo egoísta, e
superficialidade da cultura americana. O arquiteto do ataque a Pearl
Harbor havia estudado em Harvard. Não é muito diferente da situação que
encontramos hoje na Al Qaeda. Bin Laden, um milionário com acesso aos
grandes pensadores ocidentais, recruta jovens de classe média, usando a
mesma retórica dos kamikazes.
As sociedades liberais do Ocidente
dão oportunidades de conquistas extraordinárias aos indivíduos, mas
tais conquistas são individuais. Isso não pode satisfazer aqueles que
desejam ver o heroísmo e glória como partes de um empreendimento
coletivo. O fascismo, o comunismo e o nazismo atraíam justamente o
homem medíocre, porque lhe dava um vislumbre de glória por associação,
seja da raça, da classe ou da nação. Os autores explicam: “O
auto-sacrifício por uma causa nobre, porum mundo ideal, livre da
cobiça humana e da injustiça, é o caminho para o homem comum sentir-se
heróico”. O liberalismo ocidental, com sua natureza anti-heróica, passa
a ser o grande inimigo dos radicais coletivistas.
Na conclusão
do livro, os autores defendem a idéia de que o combate a este
ocidentalismo, que prega a destruição dos valores seculares ocidentais,
não está no uso do mesmo veneno dos inimigos da sociedade aberta, mas
sim nos próprios valores que fizeram do Ocidente uma civilização mais
rica e livre. Eles finalizam: “Não podemos permitir o fechamento de
nossas sociedades como uma forma de defesa contra aquelas que se
fecharam; do contrário, seríamos todos ocidentalistas e não haveria
nada mais a defender”.
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