As ruas estão desertas, mas a lua é azul
(Carlos R)
Hoje é domingo, mas eu ainda trabalho. Muitos médicos trabalham depois do sábado - eu também. Pessoas normais asssistem televisão, podem parar o país, hipnotizadas pelo futebol. Pela minha janela eu vejo as ruas que de repente ficaram desertas. O país está quase parado! Os problemas foram justificados e o subconsciente coletivo generosamente acolheu os dramas da realidade, que, afinal, podem esperar pela segunda ou terça-feira. Esperemos que a festa da vitória não desacelere os movimentos e protestos reivindicativos, nem ofusque os anseios renovadores, ainda tímidos, dentro das comunidades médicas. Há desafios enormes que precisam ser repensados a cada instante. Não pode esgotar-se o impulso para a busca de mudanças concretas. É preciso reverter os desvios, desconstruir a ambiguidade que permeia o exercício profissional. Hoje, as ruas estão desertas porque está em jogo o orgulho nacional. Mas, há um deserto muito maior, em todos os espaços de onde o Estado se ausenta, diariamente. Há uma realidade política que nos envergonha, na contramão do orgulho cívico dos estádios globalizados, onde a injusta concentração de renda é o grande tributo da máquina capitalista . Este domingo de festa eu calo teimoso. Amanhã, com as ruas tomadas por excluídos, por sombras e incertezas, possamos voltar a denunciar os paradoxos e crises imensas da Medicina brasileira, que impiedosamente recai sobre todos nós - médicos e pacientes. Precisamos servir à população brasileira com dignidade, transformar os paradigmas da sociedade de risco. Precisamos enxergar novas perspectivas, à luz do ordenamento ético, sem o qual a Medicina perderia a sua vocação sacerdotal. Acreditemos que amanhã as esperanças serão renovadas, que haverá sempre uma lua azul (*) enchendo de sonhos os nossos corações. (*) Blue moon, now I'm no longer alone without a dream in my heart (Bob Dylan)
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