A Conquista da América. A questão do outro
(Tzvetan Todorov)
Inicialmente, Todorov contrapõe as causas usualmente apresentadas para explicar a conquista à argumentos igualmente conhecidos. Assim, a superioridade das armas espanholas pode ser contestada a partir da sua pequena quantidade, como também pelo fato de que Montezuma contava com um exército infinitamente maior sob o ponto de vista numérico. Por outro lado, o autor também considera significativo para o entendimento da conquista a facilidade com que Cortez estabeleceu alianças com os povos submetidos à Confederação asteca - o que pode, na sua opinião, ser entendido a partir do fato de que a postura dos conquistadores espanhóis diante destes povos não diferia muito daquela adotada pelos próprios astecas. Igualmente, observa que a guerra asteca, além de seu caráter ritual, buscava estabelecer acordos tributários - não podendo jamais abarcar o caráter totalizante da guerra espanhola. Porém, para Todorov, estes aspectos devem ser somados a outros, de caráter mais sutil mas igualmente importantes para a compreensão do que aconteceu ao longo do episódio da conquista. Neste sentido, seu principal argumento é de que os espanhóis triunfaram porque tinham um domínio superior da linguagem que se estabeleceu a partir do encontro entre europeus do século XV e povos mesoamericanos. Para Todorov, existem duas formas de comunicação: a inter-humana e aquela entre os homens e o mundo. Os espanhóis teria se mostrado superiores na primeira categoria, enquanto que os astecas - que davam preferência para a segunda - se viram confusos. Partindo desta hipótese, o autor procura demonstrar como esta dificuldade de comunicação - e as causas culturais que a originaram - se fez presente ao longo de todo o processo da conquista. Neste aspecto, a importância do passado na cultura asteca vai se revelar um fator preponderante, tanto no que respeita à reação asteca diante da chegada de Cortéz à região, como para determinar o tipo de linguagem por eles adotada. O mundo dos astecas - e das sociedades mesoamericanas em geral - era determinado pelo passado. A utilização de um calendário cíclico, remete a uma noção de tempo, e de História, que se repete. Tal noção traz conseqüências estruturais que, estando interligadas, se revelam de fundamental importância diante da conjuntura da conquista: primeiramente, o mundo se torna supra-determinado, pois a noção cíclica sugere que todos os acontecimentos tendem a se repetir. Por conseguinte, a profecia adquire um valor extraordinário, pois futuro pode ser contemplado no passado. E, finalmente, se o presente só pode ser explicado a partir daquilo que já aconteceu, não há espaço, na sociedade asteca, para aquilo que é totalmente novo, para o inusitado. Tal concepção - que permeia a vida asteca como um todo - vai influenciar sobremaneira a utilização que os astecas fazem do discurso - e, por conseguinte, o papel da palavra em sua cultura. Que os astecas valorizavam o domínio da palavra não pode haver qualquer dúvida: o significado da palavra que define o cargo hierárquico máximo naquela sociedade, "Tlatoani" é, sintomaticamente, "aquele que fala". Igualmente, a preocupação com o bem falar era uma constante na sua organização social, de modo que a exigência de ensinar o bom uso da palavra aos filhos surgia como tarefa importante para os pais. No entanto, Todorov explica que o discurso valorizado pelos astecas era ritual, sendo que são padrão de qualidade era medido a partir da capacidade de se repetir os relatos ancestrais. Ou seja: o passado era a base também para o uso da palavra. Para além desta ligação crucial com o passado, Todorov aponta a noção de alteridade asteca como um fator igualmente importante. Os astecas - tal qual as demais sociedades mesoamericanas - estabeleciam uma graduação para o que era ou não "diferente": os povos culturalmente mais próximos eram considerados menos estranhos e, por isso mesmo, passíveis de serem sacrificados aos deuses, enquanto que aquelas populações consideradas "bárbaras"[1] nãoeram aceitas para este fim. Porém, deve-se entender que, mesmo os povos considerados "bárbaros" não eram tão diferentes, privando de um meio-ambiente e tecnologia bastante semelhantes àquelas conhecidas pelos astecas. Para Todorov, este conceito de alteridade irá se somar àquele do tempo cíclico, à preferência asteca pela comunicação homem-mundo e à origem ritual do discurso e para explicar a reação asteca diante da conquista: diferentes demais de tudo o que já havia sido contemplado, os espanhóis não puderam se encaixar no conceito asteca de diversidade. Preferindo a linguagem homem-mundo - em detrimento da inter-humana Montezuma buscou explicações junto aos seus videntes. Como estas não fossem satisfatórias , restou-lhe a única via que lhe era possível: o passado. Porém, quando ficou claro que os relatos ancestrais não faziam qualquer menção àquele acontecimento[2], criou-se a situação de improviso. Um improviso com o qual o líder asteca não foi capaz de lidar e que acabaria por determinar sua inferioridade - diante da mestria demonstrada por Cortez - no uso dos signos. Uma dificuldade que acabou afetando, inclusive, a comunicação de Montezuma com seu próprio povo: suas mensagens ambíguas aos espanhóis foram interpretadas como sinais se sujeição, levando ao seu assassinato.
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América. A questão do outro. São Paulo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
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