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A Rússia Patrimonial
(Rodrigo Constantino)

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“A história da Rússia oferece um excelente exemplo do papel que a
propriedade desempenha no desenvolvimento dos direitos civis e
políticos, demonstrando como a sua ausência torna possível a manutenção
de um governo arbitrário e despótico.” (Richard Pipes)

Na
Rússia, a noção de direitos individuais era totalmente submersa pela
noção de obrigações para com o monarca. Somente em 1785 a coroa
garantiu a posse de propriedades. Comparar a história da Rússia com a
da Inglaterra, como fez Richard Pipes em seu livro “Propriedade e
Liberdade”, é bastante elucidativo para comprovar a teoria do autor de
que o direito de propriedade privada é uma condição totalmente
necessária para que exista liberdade, ainda que não seja condição
suficiente.

Quando a terra é escassa, a população acaba tendo
que encontrar maneiras de resolver pacificamente os conflitos a
respeito dela. O excesso de terras na Rússia acabou gerando um efeito
perverso nesse sentido, pois a oferta parecia inesgotável. Os primeiros
vikings na Rússia eram formados por uma casta militar-comercial, e não
desenvolveram a agricultura nem adquiriram propriedades fundiárias – em
contraste com a Inglaterra, onde os conquistadores normandos
reivindicaram a posse de todo o solo. A propriedade privada era um
produto da benevolência do Estado. A monarquia era tão hostil para com
a propriedade privada que recusava-se a reconhecer como propriedade
inviolável mesmo pertences pessoais, reconhecidos como tal pelas
sociedades mais primitivas.

O desenvolvimento do poder
parlamentar na Inglaterra esteve estritamente ligado à necessidade da
coroa de assegurar a aprovação parlamentar dos impostos e das taxas
alfandegárias por não ser independente financeiramente. Na Rússia, em
contraste, os czares não precisavam da autorização de ninguém para
criar impostos, regalias e tarifas. Não tinham necessidade de
parlamentos. Eles podiam apropriar-se de terras e confiscar qualquer
mercadoria comerciável, podendo taxar a população conforme a sua
vontade. A aristocracia rural e os burgueses eram servidores do Estado
na Rússia, não desfrutando de nenhuma segurança econômica. O que
importava eram os favores da coroa.

Pedro, O Grande, apesar de
visto como o monarca que mais tentou ocidentalizar a Rússia, acabou na
prática marcando o apogeu do patrimonialismo czarista. O poder da coroa
tornou-se ainda mais arbitrário. A carga tributária foi imensamente
aumentada. O governo e a Igreja detiveram o direito exclusivo de
imprimir livros até 1783, e depois disso exerceram o poder através da
censura. O Estado controlava as empresas comerciais também, prática bem
diferente do que ocorria na Inglaterra, onde desde o século XIII já
havia empresas licenciadas, trabalhando para particulares. Os servos
tornaram-se sujeitos ao serviço militar compulsório no exercício
permanente.

Durante o governo de Catarina, a Grande, alguns
direitos de propriedade foram reconhecidos, mas estavam algo como 600
anos atrasados em relação à Inglaterra. Os pequenos e tardios avanços
deveram-se à necessidade de Catarina aliar-se à pequena fidalguia
fundiária para fortalecer seu poder. Ela foi bastante influenciada
pelos fisiocratas, que viam a propriedade privada como a mais
fundamental das leis da natureza e a agricultura como principal fonte
de riqueza. Entretanto, a maior liberdade favorecia apenas uma pequena
minoria, enquanto que para a maioria a servidão acabou intensificada.
Desde o seu começo, já bastante tardio, o direito de propriedade na
Rússia ficou associado à consolidação do poder da nobreza sobre os
camponeses.

Na primeira metade do século XIX, medidas adotadas
por Alexandre I e Nicolau I deram passos maiores rumo à liberdade dos
servos e nobres. Em 1802, Alexandre proibiu os senhores de exilarem
servos para a Sibéria, e em 1807 de condená-los a trabalhos forçados.
Nicolau I ampliou os direitos econômicos dos servos, permitindo-lhes em
1848 adquirir propriedades rurais e urbanas despovoadas. Em 1861 foi
assinado o decreto de emancipação dos servos.

A democracia
política, ainda bastante limitada, chegou à Rússia somente em 1905 como
resultado das pressões sobre o regime czarista trazidas pela derrota na
guerra contra o Japão. A hostilidade intensificou-se durante a Primeira
Guerra Mundial. O palco para a revolução bolchevique, inspirada nos
philosophes franceses, estava armado. Com a tomada do poder pelos
comunistas, todas as liberdades e direitos, junto com a propriedade,
desapareceram por completo. Tinham raízes muito pouco profundas, e
foram reduzidas a pó. O terror e a escravidão que vieram com a
revolução fizeram os anos dos czares parecerem suaves.

Richard
Pipes conclui que “a experiência da Rússia indica que a liberdade não
pode ser legislada; ela precisa crescer gradualmente, em forte
associação com a propriedade e a lei”. Infelizmente para os russos, a
propriedade privada nunca fincou suas raízes no solo da Rússia, cujo
poder sempre esteve arbitrariamente concentrado no Estado. Enquanto a
mentalidade inglesa, calcada na propriedade privada, pariu em 1776 a
nação até então mais livre da história, a mentalidade patrimonialista
russa gerou o regime mais genocida do mundo. Há um abismo
intransponível entre ambos.



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