A Objectividade Histórica
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A Objectividade Histórica
Em primeiro lugar, precisaremos o significado de objectivo: 1) Aquilo que se refere a um determinado objecto; 2) O que é aceite universalmente; 3) O que está isento de emotividade.
Neste contexto, é adequado reflectirmos acerca da aquisição do conhecimento de uma forma geral, o que nos parece válido para o conhecimento histórico.
Os defensores do empirismo entendem que o conhecimento é proveniente da experiência, dos sentidos: o sujeito obtém o seu conhecimento a partir do mundo exterior. Locke dizia que o espírito do homem é, à partida, como uma tábua rasa, quer dizer, um espírito onde nada existe. O conhecimento só aparece à medida que o sujeito contacta com o mundo exterior e dele retira os conhecimentos que passivamente vai acumulando.
A concepção racionalista só admite a via da razão para a obtenção de todo o conhecimento. Põe de parte todo o conhecimento adveniente dos sentidos, isto é, do corpo, da parte material do homem. Ao racionalismo anda associado o idealismo, teoria segundo a qual o sujeito existe, mas nada mais para além dele. Aqui, o conhecimento é, exclusivamente, obra do sujeito.
Com Piaget, assiste-se ao corte com estas teorias que separam o sujeito do objecto, ora dando a primazia ao objecto, ora ao sujeito. Piaget diz-nos que o conhecimento se adquire através da interpenetração do sujeito e objecto. A acção do sujeito sobre o objecto leva à alteração da mente do sujeito. O conhecimento constrói-se progressivamente, por etapas.
Assim, para Piaget, o conhecimento é um processo derivado da acção recíproca do sujeito e objecto, tal como este psicólogo e epistemólogo nos diz: “o objecto é o que está fora de nós, independente de nós, e, contudo, nós não o conhecemos senão integrando-o de qualquer forma em nós, através dos nossos sentidos”.
Deste modo, o conhecimento é um processo em constante mutação que deriva da reciprocidade da acção existente entre sujeito que conhece e objecto que é conhecido e que integrado, conhecido pelo sujeito, vai modificar a estrutura mental deste último.
Por isso, o conhecimento histórico está sempre a modificar-se, caminhando infinitamente ao encontro da verdade. Daqui se infere que a verdade é, igualmente, um processo em marcha, jamais terminado. A verdade existente é sempre relativa e incompleta. Põe-se o problema: É possível alcançar a verdade objectiva no conhecimento histórico?
Convém referir que a verdade é definida como sendo “um juízo verdadeiro” ou uma proposição verdadeira”. Adam Schaff, em História e Verdade, aceita esta definição no sentido de que é “verdadeiro um juízo do qual se pode dizer que o que ele enuncia é na realidade tal como o enuncia”.
Adam Schaff afirma igualmente que a “objectividade dita pura é uma ficção”, porque a reconstrução histórica é obra do historiador e, portanto, comporta sempre alguma coisa deste. Isto significa que à objectividade está ligado um certo grau de subjectividade.
A subjectividade é imanente a todo o conhecimento, incluindo o científico, porque resulta sempre da interacção entre sujeito e objecto. Sem um destes intervenientes não haveria conhecimento possível.
Importa agora saber como pode o historiador ultrapassar a subjectividade, situando-se num terreno onde a imparcialidade tenha um lugar cimeiro, conquanto não total, já que a imparcialidade absoluta é um mito.
A História é uma ciência cujo objecto de estudo é o homem, ou melhor, é o estudo “dos homens no tempo”, tal como a define Marc Bloch. A História tende à compreensão da evolução da Humanidade.
Daí que o historiador tenha necessidade de exercitar o espírito científico, que impõe uma determinada consciencialização que visa o alcance de uma maior imparcialidade, de modo a produzir um conhecimento dentro de um elevado grau de objectividade. Adam Schaff alerta o historiador para que esteja sempre atento a todos os elementos nocivos (os chamados obstáculos epistemológicos) à produção do conhecimento científico. A este propósito podemos referir o filósofo e cientista, Gaston Bachelard, que define o obstáculo epistemológico como sendo “qualquer elemento ou processo extracientífico que, intervindo no interior duma prática científica, trava, impede ou desvirtua a produção de conhecimentos”.
Bachelard lembra que a opinião opondo-se ao verdadeiro raciocínio “é o primeiro obstáculo a ultrapassar (…). O espírito científico impede-nos de ter uma opinião sobre questões que não podemos formular claramente. Antes de mais, é preciso saber pôr problemas (…). É precisamente esse sentido do problema que assinala o verdadeiro espírito científico. Para um espírito científico, todo o conhecimento é resposta a uma questão (…). Nada é dado. Tudo é construído”.
Piaget caracteriza o conhecimento científico como sendo a “capacidade de atingir uma objectividade cada vez maior por um duplo movimento de adequação ao objecto e de descentração do sujeito individual na direcção do sujeito epistémico”.
Neste quadro, a História está constantemente a refazer-se porque novos elementos despontam, novos efeitos se conhecem de factos históricos já estudados, mas também porque o advento de uma nova época, com novos valores, novas mentalidades, novas tecnologias, uma nova mundividência nasce: a visão da história é revista a partir de um presente que, afinal, é um resultado de um tempo anterior. O conhecimento histórico é elaborado através dos tempos pelos diversos historiadores: uma interpretação conduzirá a outra mais perfeita, mais enriquecida.
Em suma, entende-se que a verdade objectiva é alcançável pelo conhecimento histórico, muito embora seja uma verdade relativa, o que implica ser parcial, imperfeita, incompleta e, por conseguinte, sempre sujeita a reformas, para cada vez mais, se coadunar com a realidade que pretende retratar.
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