O Uísque da Redenção
(Iza Calbo)
O franco-baiano chegou no bar de "seu" Jesus, na Cruz da Redenção, em Brotas, um pacato bairro de Salvador da Baía de Todos os Santos e, depois de muito bate-papo, encomendou uma garrafa de "Jack Daniels" só para ele. Como, segundo afirmou, era praxe acontecer nos bares do lado de lá. Um pouco relutante, mas sempre com boa vontade, Jesus cedeu ao modismo estrangeiro.
O cliente tomou gota após gota e, firmemente, afirmava que pagaria tão logo entornasse o último gole. Passados quatro meses ou um pouco mais, o simpático espanhol, de olho nas cifras do seu tradicional boteco, sugeriu que o rapaz comprasse um uísque similar, ficando uma coisa pela outra. Uma reposição quase celestial, considerando-se que a bebida estava há seis anos guardada na prateleira, "pegando o gosto", como dizem.
Até um 7 de dezembro, quando o franco-baiano retornaria à Paris, ainda havia esperança. Claro, "seu" Jesus, com muita classe, não ficava cobrando o uísque degustado nem chorando pelo suposto prejuízo ainda não confirmado. Quando o rapaz aportava no bar - por uma questão de garantia - era tudo "cash", a fim de evitar constrangimentos. Mas a história do "Uísque da Redenção" quase vira piada entre os freqüentadores do bar.
Sabia-se, por fonte segura, que o moço era boa paga. Mas, como costuma dizer por aqui o antropólogo Roberto Albergaria, "de boas intenções, o inferno anda pavimentado". E o grande dia chegou, com o cliente "estrangeiro" de garrafa em punho, honrando a tradição de outras plagas. Jesus, com seus olhos claros deu risadas largas.
Bêbados contumazes chegaram a criar uma imagem poética para o dia D. Contam que o moço entregou o uísque, Jesus repôs a garrafa no estoque, bateu um papo, desejou boa viagem ao franco-baiano e ficou tudo na maior paz. Mas, rezam eles, que o moço, após quitar o débito, virou-se e tomou o destino da rua. Atrás dele, asseguraram à época, três reis magos cambaleantes percorreram o caminho do quase "pagador de promessas" em direção a casa.
E, assim, transformado em "Menino Jesus da Redenção", ele dormiu tranqüilo para, numa sexta-feira, adentrar o avião rumo a Paris. Lá nos bares, teria novas garrafas a esperá-lo, mantendo o costume de beber com amigos. Mas, cá pra nós, o nosso Jesus da Redenção, espanhol de nascimento, mas baiano de esperteza, depois dessa, continuou servindo à moda da casa da Soteropólis. Uma dose aqui, uma moeda também.
Até porque, se a moda pegasse, "seu" Jesus, que às vezes ‚ brabo que nem só ele, iria acabar virando o demo com estes fregueses de ocasião, que, como o poetinha Vinícius de Moraes, não acreditavam muito no mito de que o cachorro é o melhor amigo do homem. Se assim fosse, pelo menos para o poeta, o uísque seria obrigatoriamente o cachorro engarrafado. E, soubesse antes da demora, talvez "seu" Jesus tivesse lembrado de pôr uma coleira com focinheira e tudo naquela preciosa garrafa. O que "seu" Jesus deve ter passado a fazer, já que o rapaz, de lá de Paris, um mês depois, já havia mandado fazer nova reserva.
Sorridente e com sotaque forte, Jesus sorriu coçando a cabeça. Ninguém entendeu a razão de imediato. Verdade é que quando o moço retornou, no lugar do boteco encontrou uma Farmácia dos Pobres. E lá, pode se ter a certeza, nada havia que lhe despertasse interesse. Nunca mais "seu" Jesus apareceu. Mas, de acordo com antigo freqüentadores, havia se cansado de ficar atrás de um balcão por mais de 50 anos. Queria descansar em paz até que Deus o chamasse para sentar-se a seu lado.
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