O Homem e o Humano
(Iza Calbo)
Bobagens homéricas. O homem. Apenas ele. Circulando a solidão sob uma lua imensa. O céu é de início. Começa tudo de novo. Mês após mês. Amor após amor. Sorrisos, um após o outro. E lágrimas. A semana vive da urgência. Os dias vão comendo as horas meio desesperados. Mares atropelam ondas, surfistas, banhistas se afogam. O homem. Somente ele. Andando de um lado a outro da lua, fincando bandeiras para dizer que esteve. Surge um novo tempo. Os computadores quase enlouqueceram com os zeros do novo milênio. A vida chega codificada na Bíblia e Deus, pleno de presença, ri da criatura. O homem. Sombriamente ele. Catando moedas nas ruas, curvando-se diante das incertezas. Recomeça. Recomeço. Dia após dia. Suor espalhado nas têmporas. Semente brotando da terra. Rio secando. Crianças descascando o dedo e a mandioca. Escravidão de imagens, de ritos, de passagens. Nada será como antes. Quem disse? Tudo se repete. O beijo, o abraço, a namorada, o namorado, o casal que espera o primeiro filho, depois o segundo, o neto, o bisneto, a morte. O homem. Dois milênios de vidas passando rumo ao nada. Dois milênios de descobertas, novidades e coisas ultrapassadas. Renovação imediata. Palito de fósforo corroendo chamas, cigarros, pulmões e memórias. Vontades de ser, ter, fazer, tudo como antes. Nada a reclamar, a delatar ou deletar. Amores secretos. Hipocrisias nos olhares, nas mãos, nas canetas e nas teclas. O homem. Sempre achando que pode se enganar e que sabe enganar. Soberano nas suas bobagens homéricas. No seu fazer escondido, que todos sabem e fingem que não. Space. Tempo para falar de flores, cores, duendes, circos, risos límpidos, como rios imaculados. Tempo para gritar vontades, desejos, sonhos e encostar a cabeça no travesseiro certeiro da história. Tempo de querer ter tempo. De voltar no tempo. De caçar amoras, morder morangos, colar os lábios macios na nuca macia que se permite invadida pelos dentes do amor antigo. O homem. Tanto para calar, respirar, se perder. E tanto mais ainda para ser.
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