Meu encontro com Saddam Hussein (parte 2)
(José Pedro Antunes)
Escreva o seu resumo aqui. Muitas pessoas no Iraque afirmam que os americanos são muito mais perigosos para o cidadão civil do que qualquer terrorista – e nisso eles tinham bastante razão. Sultan fez tudo certo. Manteve-se à distância enquanto o soldado lhe dava a entender que não devia ultrapassá-los. Só quando o comboio dobrou à direita e desapareceu atrás de uma espessa nuvem de poeira, Sultan voltou a acelerar. "Nosso libertador tem sempre o dedo no gatilho. Ele atira com rapidez, o nosso libertador." Abriu um sorriso largo e esperava, estava bem claro, que eu fizesse algum comentário a respeito. Mas eu me mantive em silêncio. Não tinha nenhuma vontade de entrar em discussões. Atravessávamos o país em velocidade, passando por palmeiras, tanques destruídos, carcaças incineradas, por aldeias e cidades, ruas apinhadas de gente e edificações que pareciam à beira do colapso. Hassan falava, Sultan ouvia, eu me mantinha calado. Nas últimas horas da manhã, chegamos a Najaf. Sultan teve de deixar o carro parado a uma distância considerável da Mesquita Imam Alis. Depois que um carro-bomba explodiu bem na frente da mesquita, foi no final de agosto, a polícia bloqueou para o tráfego todas as ruas de acesso ao maior santuário dos xiitas. A bomba tinha causado a morte de mais de oitenta pessoas. Entre as vítimas, Mohammed Bakr al Hakim, um dos mais importantes guias dos xiitas. Era ele o alvo do atentado. Nos pusemos cuidadosos em Najaf, e seguimos a pé em direção ao centro da cidade. Sultan veio conosco, fato pouco habitual, pois os motoristas costumam permanecer junto a seus veículos, pelo temor de que possam ser roubados em sua ausência. Nas horas que se seguiram, permaneceu sempre ao nosso lado. Comigo, ele ouvia diversos guias religiosos, policiais, passantes, peregrinos e comerciantes, permanecendo bem junto de mim. Enquanto falavam os meus interlocutores, ele aguçava os ouvidos. Atentamente a tudo absorvia. Eu me perguntava o que ele na verdade teria sido noutros tempos, antes da guerra: um jornalista? Um espião? Um policial? Seu negócio havia sido, em todo caso, a informação, isso me pareceu claro. Quando, depois de muitas horas, tornamos a embarcar no jipe, Sultan disse alto e bom som: "A última vez que estive em Najaf foi há vinte anos. E posso lhes dizer que, hoje, a cidade regrediu cem anos. Cem anos! Idade Média!" "Acha mesmo?!" "Eu lhes digo, esta cidade vai se tornar o coração negro do Iraque. Ela vai nos devorar a todos! Também aos americanos!" Fiquei pensando no que dissera, enquanto atravessávamos as ruas poeirentas de Najaf. Num ponto Sultan pode ter razão: Se Najaf se movesse, balançaria o Iraque inteiro. Um influente mulá acabara de me dizer: "Nos anos vinte do século passado, bastaram cinco palavras vindas de Najaf, exatamente cinco palavras. Uma tempestade se levantou e varreu os britânicos para fora do país!" Ele oferecera uma descrição histórica pertinente. A rebelião nos anos vinte custou a vida a cerca de 5000 soldados britânicos e pôs fim ao domínio colonial. O alerta de Sultan sobre o "coração negro do Iraque" pareceu-me um pouco exagerado, mas tinha algo de verdadeiro. "O que se deveria fazer então com os xiitas?", eu lhe perguntei. Ele, erguendo as duas mãos para o alto, exclamou: "É preciso escudar-se contra eles. Neles não se deve depositar confiança. É preciso mantê-los por baixo!" Antes que eu pudesse prosseguir devassando seus pensamentos, detivemo-nos defronte ao Posto Policial. Eu queria me informar sobre a questão da segurança em Najaf. Mal havíamos desembarcado, vários policiais vieram ao nosso encontro e alegremente nos cumprimentaram. Um capitão esmagou minha mão com sua garra e me arrastou para dentro do escritório como um ladrão recém-aprisionado. Tirante uma escrivaninha e algumas cadeiras, o espaço era completamente despojado. Busquei assento, enquanto o capitão lançava sobre mim um olhar de curiosidade. Outros policiais irrompiam porta adentro, um maior, mais forte e mais grosseiro do que o outro. Eu me vi como numa jaula repleta de seres gigantescos, rudes, que, a despeito dos sorrisos que ostentavam, não perdiam a irradiação ameaçadora. A conversa que ali se desenrolou pode ser rapidamente resumida. Os policiais disseram que tudo estava normal, tudo tranqüilo, exceto que, e da mesma forma se expressava o capitão, "vez ou outra uma bomba sobe aos ares e mata algumas pessoas". Na realidade, eles não relatavam nada. Não queriam oferecer a um estranho qualquer informação, mas tampouco queriam lográ-lo.
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