Odisseu, Odisséia, A Propósito do Centenário de Adorno
(Lúcio Júnior)
Pretendo, nessa comunicação, abordar as adaptações da Odisséia de Homero para o cinema e a televisão, discutindo também uma letra de música inspirada numa passagem comentada por Adorno. Sabemos, de antemão, que Adorno não tem a menor expectativa nesse tipo de adaptação, que ele chama de semicultura:
A semicultura é aquele verniz de saber que é fornecido pela indústria do lazer, quando ela se propõe a ser cultural. Então, apresentam-se, por exemplo, adaptações de clássicos da literatura universal para o rádio, para a televisão, para o cinema, e até mesmo para história em quadrinhos, conseguindo a proeza de eliminar da obra o que ela tem de essencial (ADORNO, apud: DUARTE, 1997, p. 23). Assim sendo, estou consciente da opinião de Adorno a respeito desse tipo de obra sobre a qual me debruço. Creio que A Dialética do Esclarecimento apresentou uma inovadora interpretação da Odisséia, um marco para as análises posteriores de tal texto. No entanto, penso ser urgente analisar esse tipo de produção, num esforço de manter atualizada a teoria crítica. Ou seja, é necessário que se investigue mais a fundo os artefatos da semicultura, procurando desvendar o tal momento em que a essência da obra original é tocada. A primeira versão cinematográfica da Odisséia (Itália, 1955, direção: Mário Camerini. Atores: Kirk Douglas, Anthony Quinn, Silvana Mangano) iniciou-se com discussões entre Penélope e os pretendentes. Telêmaco não chegou a partir em busca do pai; ele apenas questionou a mãe para saber se o pai ainda vivia ou não. Nos jardins do palácio, uma cena referiu-se ao próprio Homero: um poeta cego, tocando um instrumento de corda que lembrava uma harpa, contou a história da tomada de Tróia. A narrativa passou, então, para o momento em que Ulisses chegou à Faécia, encontrou a princesa Nausícaa e foi levado ao palácio do rei Antinoô: a partir daí, em flashback, narrou-se o encontro de Ulisses com o cíclope Polifemo e com a feiticeira Circe, para depois retomar o fio da trama no momento em que Alcinoô aceitou ceder um navio para levá-lo à Ítaca. O filme se encerra com a matança dos pretendentes e o reencontro entre Ulisses e Penélope. Já na adaptação mais recente da Odisséia (EUA, 1997, direção de Andrei Konchalovsky. Atores: Armand Assante, Greta Scacchi, Geraldine Chaplin) as primeiras cenas são as do nascimento de Telêmaco, que serão retomadas posteriormente. A esposa de Ulisses se ergueu logo após o parto, que nem sequer foi assistido por uma parteira; esses detalhes tenderam a afastar a narrativa do realismo e sinalizar para o terreno da fábula e da fantasia a qual ela pertence. A seguir, a câmera girou em torno de Odisseu com seu filho, transmitindo a embriaguez do rei em receber seu herdeiro. Depois houve um grande plano geral com a armada grega no mar, rumando para Tróia. Numa narrativa mais linear do que a homérica e a versão cinematográfica anterior, nesta versão norte-americana não há flashbacks. Vemos en passant cenas da Ilíada: o momento em que Aquiles matou Heitor e o ardil do cavalo de Tróia, que quase foi impedido pelo adivinho Laocoonte. O cavalo de Tróia foi um momento em que Ulisses usou a inteligência e venceu o adivinho e o mito (Laocoonte, no entanto, foi morto por uma serpente marinha mandada por Poseidon). Os dois filhos de Laocoonte escaparam. Laocoonte foi um dos vilões da história, e, como os pretendentes e Tirésias, ele riu estrepitosamente, o que Ulisses nunca fez. As cenas em que a serpente agarrou Laocoonte foram em close, intercaladas, explorando a forte emoção provocada. A seguir, Ulisses desafiou os deuses, dizendo-se vencedor solitário de Tróia. Poseidon, que o havia ajudado mandando a serpente marinha matar Laocoonte, enfurece-se. Ulisses insistiu que ninguém o impediria de voltar a Ítaca, e logo Poseidon o fez sentir sua maldição: seu barco perdeu-se no nevoeiro, indo ter à ilha dos ciclopes. No poema homérico é apenas depois de furar o olho de Polifemo que Ulisses foi amaldiçoado por Poseidon. Segueentão uma narrativa clara, sem falatório ou entrechos, como a maior parte das cenas, que são diurnas, como uma linha reta que atravessasse os mitos, da ilha dos ciclopes até a Ítaca, perpassando Éolo, Circe e Calipso. Notei, na narrativa, uma escolha: a opção pelos homens e não pelos deuses. Tal foi ilustrado no episódio em que a deusa Calipso ofereceu a Ulisses a imortalidade, e ele preferiu voltar a ser homem. No entanto, Palas Atena (Geraldine Chaplin), já tinha lhe prometido “ter seu nome nos lábios de gerações sem fim”, o que já seria a imortalidade, de certa forma. A cena apontou também para o espectador essa imortalidade: o herói está ali, existindo materializado em imagens, e a deusa profetizou também que os espectadores, depois de assistirem o filme, ficarão _ se nessa altura já não estão _ com o nome de Ulisses em seus lábios. Durante a cruel guerra de Tróia, o herói foi um guerreiro adoçado: em meio a uma batalha se preocupa em salvar criancinhas. Essa adaptação utilizou recursos como esse para provocar adesão ao herói Ulisses e repulsa por seus opositores.
Resumos Relacionados
- Ulisses
- A Odisséia
- Odisseu, Odisséia, A Propósito Do Centenário De Adorno (parte 3, Final)
- Odisséia
- Odisseia De Homero
|
|