Críton
(Platão)
Trata-se de um diálogo de Platão sem Platão, ou seja, de um diálogo elaborado por Platão para converter em ensinamentos teóricos a conversa que ocorreu apenas entre Sócrates e Críton e que provavelmente lhe foi relatada. O discípulo Críton visitou o mestre já na prisão e propôs a ele que ambos pagar a quantia para que Sócrates, corrompendo seus carcereiros, fugisse de Atenas para outra cidade, escapando então da obrigação de tomar veneno ateniense. Críton afirma que a postura adotada por Sócrates estava sendo a mais cômoda e que isso era errado numa pessoa que sempre pautara sua vida pela virtude, ou seja, ele estava, de uma forma ou de outra, sendo leniente com a injustiça. A seguir, Críton colocou a pergunta: o que as pessoas vão pensar dos discípulos de Sócrates? Eles seriam, na voz do povo, os responsáveis por não ajudá-lo a fugir de uma condenação evidentemente injusta. Sócrates fora condenado à morte por corromper a juventude, mas nada ele tinha feito, a não ser exercitar o seu pensamento em praça pública e reunido discípulos.Fundindo a Filosofia com a Vida, Sócrates aplica a si mesmo a idéia de que não se deve pagar o mal com o mal. Sócrates claramente projetou, com sua morte, inscrever-se como exemplo ético para as gerações futuras e para seus discípulos. Ele instruiu Críton a não temer a opinião e a intriga da maioria, estabelecendo que só contaria a opinião de uma minoria: os sábios. Ele não estava morrendo por amor à democracia e sim às leis da cidade, associadas com a Verdade e a Vontade Divina. A mulher com que Sócrates relatou, bem no início do diálogo com Críton, e que teria aparecido num sonho de Sócrates dizendo a ele que em breve ele estaria indo para a Ftia (região da Tessália, região da Grécia, em apenas três dias). Ao invés de interpretar o sonho como mensagem dos deuses de que deveria ir para tal região, Sócrates a interpretou como profecia de que ele deveria entregar-se. Sócrates reafirmou a validade de sua teoria: o bem, o belo e o justo seriam a mesma coisa. A grande contradição que permaneceu foi a seguinte: o homem, ao matar outro home, estaria violando a vontade de Deus, pois somente Deus é que poderia tirar a vida. Ou melhor dizendo, o Demiurgo ou os Deuses, para tratar em termos platônicos. Se o homem se julga capaz de tirar a vida do outro, está se colocando na posição de Deus. Estaria, assim, apoderando-se da postura de praticante das leis de Deus ou de juiz capaz de destruir aquilo que não foi criado por ele. Sócrates não era criação dos democratas gregos, daí ele não deveria ser destruído por eles. Se a condenação à morte foi justa, ela passou automaticamente a ser boa e bela, conforme o próprio pensamento de Sócrates. Numa linha de pensamento mais avançada, as leis seriam expressão de uma determinada ordem social. E essa ordem social, esse Estado seria presidido por uma classe. No caso, estaríamos tratando dos democratas, ou seja, da classe dos marinheiros e comerciantes que estava sentindo-se ameaçada pelas idéias de Sócrates, que os criticava e pregava o surgimento de uma nova aristocracia. Ao invés de procurarem atender às críticas e se transfomarem, os democratas passaram a querer abolir a crítica, ou seja, transformá-la num crime, num erro, numa ameaça: ela seria conspiração contra a cidade, atentado de lesa-pátria. Essa minoria faria, de seu interesse em se perpetuar no poder, a vontade coletiva e a voz do próprio Estado. Sócrates, na verdade, foi condenado para que um grupo pudesse se perpetuar no poder sem críticas e ameaças, mas ele não entendeu assim. Não viu na sentença uma expressão do interesse de um grupo e sim da cidade e uma diretiva dos deuses. Materializada a injustiça, só resta ao injustiçado sofrê-la, se formos seguir os ensinamentos socráticos. O fato que se deve perceber seria o seguinte: por mais que uma sentença de morte possa estar fundamentada (como, por exemplo, a de Saddam Hussein foi uma punição para seus atos enquanto tirano), ela não deixou de atender aos interesses a um grupo que deseja instalar uma democracia simpática aos USA no Iraque. Para que essa democracia possa florescer, há o empecilho de um tirano que sabe demais: embora a sentença esteja fundamentada, ela atende, no atual momento político, aos interesses de um grupo que está no poder e precisa dela para a remoção de uma ameaça, um empecilho indesejável. Existem atenuantes para Saddam Hussein: seus crimes se fizeram, pelo menos a princípio, em nome da pátria iraquiana, que suas atitudes diante de países estrangeiros (Israel, Kuwait, Irã) se mantinham coerentes: Hussein buscava mais e mais poder e riqueza para seu país e seu povo para obter ainda mais poder para si e seu grupo. Já seus juízes atendem, claramente, a um governo gerado sob ocupação de uma potência estrangeira, com todas as coações que isso implica, ainda que com formalidades democráticas inexistentes sob o regime de Saddam.
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