A verdade como fundamento da liberdade
(Cardeal Avery Dulles; SJ; Lord Acton)
O eminente historiador inglês John Emerich Edward Dalberg Acton (Lord Acton) dizia que a liberdade não é um mero arranjo social recomendado pela conveniência, mas é, ao contrário, “o mais alto ideal do homem, o reflexo de sua divindade”. Na prática faz muita diferença se a liberdade consiste em fazer aquilo que se quer ou aquilo que deva ser feito. Nesse sentido, podemos entender a liberdade em dois planos: o da natureza e o das pessoas. No plano natural a liberdade é entendida como a ausência de constrangimento físico, sem o que não seria possível que as coisas realizassem o que é da sua essência. “um balão de gás sobe livremente quando nada o obstrui; uma pedra cai livremente quando nada a impede. Um cachorro é livre se lhe é tirada a coleira e pode seguir os seus impulsos”.
No plano das pessoas, a liberdade requer, ainda, a ausência de compulsão psicológica. Nesse sentido, a liberdade estaria limitada até o ponto em que o instinto ou a paixão compele o indivíduo a agir de certa forma. Assim é que as pessoas podem ser levadas a fazer ou deixar de fazer algo motivadas por uma recompensa ou pelo medo da dor, do castigo. Trata-se, diferente do que se pode imaginar, de o ser humano ser refém dos seus instintos naturais ou de seus apetites. “Incapazes de fugir do determinismo do instinto ou do apetite, podemos ser forçados a agir por ameaças e promessas”.
Alguns, precocemente, poderiam dizer que a liberdade significa poder agir segundo os seus próprios instintos sem que haja empecilhos, impedimentos. Trata-se de uma concepção apenas externa da liberdade, vale dizer, natural. O homem que é incapaz de fazer escolhas, deixando-se levar pelos instintos e apetites, na verdade, não é um homem livre, pois prisioneiro de seus próprios impulsos. Por outro lado, se as escolhas fossem tomadas prescindindo de motivos, se fossem completamente arbitrárias, perderiam completamente o sentido, em última análise, a liberdade seria impossível. É por esse motivo que somos educados a escolher o que é digno e bom de ser escolhido. Não se trata de impor escolhas, mas de prestigiar aquelas das quais decorra a paz social e o crescimento espiritual de quem as faz, ademais se consinto com a atração (a uma ou outra escolha) é porque a minha razão a aprova. Michael Polanyi (1981-1976), o grande filósofo da ciência, diz:
“Ao passo que a compulsão pela força ou pela obsessão neurótica exclui a responsabilidade, a compulsão por um propósito universal estabelece a responsabilidade (...) a liberdade da pessoa subjetiva fazer o que lhe agrada é regida pela liberdade da pessoa responsável agir como deve”.
Até aqui pensamos sobre a liberdade em si mesma até chegarmos ao indivíduo livre. Nada tecemos acerca da sociedade livre. Só podemos conceber uma sociedade livre se os indivíduos que a compõe são dotados de direitos inalienáveis. Ora, se as pessoas fossem dotadas apenas de direitos conferidos pelo Estado ou pela sociedade, eles poderiam ser retirados pelo poder humano e o caminho estaria aberto para a tirania, o totalitarismo, o qual imporia os interesses de uma determinada pessoa ou grupo ao restante da sociedade.
Se por um lado há que se reconhecer a existência de direitos inalienáveis (naturais), por outro, é condição para um povo livre a participação de seus membros na elaboração das leis que os regem. Há que se possibilitar aos membros de uma sociedade a possibilidade de questionar as leis (atos de comando) que limitam as suas ações, o seu progresso. A lei, na sua mais profunda finalidade, consiste mais em limitar o arbítrio e furor do Estado do que cercear a liberdade individual. Posto isto, não se fale que, numa defesa puramente política de liberdade, é dado aos indivíduos, enquanto sociedade constituída, o direito de instituir a escravidão ou adotar uma forma de governo totalitária, ou seja, a liberdade duradoura requer o consenso, requer a democracia, mas ela deve estar baseada numa verdade transcendente, vale dizer, em direitos indeclináveis einalienáveis, direitos que nem mesmo aos próprios indivíduos é dado deletar.
O homem que vive só está condenado a uma espécie de prisão. A convivência, a vida em sociedade é mais do que uma expressão da liberdade, de uma escolha, mas está dentro mesmo da sua essência, da sua razão de ser.
Há quem entenda que a vida em sociedade nos impõe determinadas regras de convívio, muitas vezes limitando nossa liberdade, sempre tendo como preocupação maior a manutenção do equilíbrio do corpo social e o respeito ao direito de nosso semelhante, dado que infelizmente o ser humano é dotado de momentos de insensatez e, em conseqüência, pode se tornar um desagregador dos interesses e da paz social por meio de atitudes funestas. Entendemos, porém, diferente. A vida em sociedade decorre da liberdade, pois não há liberdade na solidão. Ora, se não há liberdade, como no caso de governos totalitários, então não há que se falar em sociedade, mas de caos social.
Um dos benefícios do treinamento e da disciplina é aumentar nossa zona de liberdade interna. Pela educação e exercício, desenvolvemos a motivação e o caráter que nos permitem resistir às pressões físicas e, especialmente, às psicológicas. Alguns aprendem a passar longos períodos sem dormir, a abster-se de comida, a suportar intensa dor física sem abandonar a sua resolução. Tais pessoas têm uma liberdade maior do que as outras, pois possuem uma maior zona interna de autodeterminação.
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