Aborto - Uma questão de saúde pública
(De Melo)
Sou contra o aborto. Mas não somos todos!? Qual o interesse desta declaração de valor quando é reiterada pela esmagadora maioria dos portugueses?A questão central, neste debate, é compreender qual o interesse de termos uma lei proibicionista, para além de ser a segunda mais retrógrada da Europa, quando o acto que esta reprime é anualmente praticado por cerca de 20.000 mulheres.A pergunta que vai a referendo a 11 de Fevereiro – Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado? – visa alterar apenas um aspecto da realidade actual, a realização dessa prática num equipamento público.A discussão acerca da existência ou não do aborto só é válida aos níveis social e legal porque, em termos pessoais, a partir do momento em que a mulher decide fazê-lo nada a vai impedir. A única dúvida é como e onde o fazer. Pode dirigir-se a clínicas clandestinas em Portugal ou legais em Espanha que oferecem condições de higiene e segurança, desde que despenda imprevistamente uma parte importante do orçamento familiar; pode recorrer a parteiras duvidosas; ou pode, sozinha, induzir o aborto pela toma de Misoprostol (presente no conhecido Citotec) ou introdução na vagina de objectos cortantes, pondo em risco a saúde e mesmo própria vida.Estamos perante um Estado que fecha os olhos a um problema de saúde pública, intervindo tardiamente em caso de graves complicações. Ou melhor, estamos perante uma sociedade que prefere esconder a cabeça na areia e esperar que o problema se abafe a enfrentá-lo.No poder judiciário, esta hipocrisia social atinge o clímax. Quando uma mulher que abortou chega à barra do tribunal, ré, advogado de defesa, ministério público e juiz afirmam colectivamente que as provas não são suficientes para condenar aquela mulher quando todos sabem que o acto ilegal foi praticado. Há como que uma jurisprudência que recusa criminalizar uma mulher com base numa lei obsoleta. Para mim, responder ‘sim’ no referendo de 11 de Fevereiro é um voto contra uma lei injusta que penaliza e criminaliza o mais fraco.Não acredito nos que dizem que o aborto passará a ser usado como método contraceptivo preferencial por todas as implicações físicas e psíquicas que possa acarretar, tal como não acredito em argumentos de pendor ultra-feminista como ‘a barriga é minha’. Acredito, sim, que este género de argumentos vai minar a discussão que se avizinha tal como aconteceu em 1998. Actualmente a informação acerca de métodos contraceptivos é vastíssima e os centros de saúde distribuem-nos gratuitamente, o que poderia ser um factor contra as tantas gravidezes indesejadas. A resposta, ainda que inconclusiva, talvez esteja numa sociedade onde ainda vigora a vergonha perante uma vida sexual activa, sobretudo nas adolescentes. O tema ‘sexo’ é tratado facilmente, entre risos e leviandades, tantas vezes brejeirices, mas continuam a ser maioritários os pais que ainda hoje têm vergonha em falar dessas questões aos filhos, os professores que evitam as aulas de educação sexual e, consequentemente, os jovens que não confiam suficientemente em alguém, nem nos técnicos de saúde, para expor as suas dúvidas e receios.Aceito os vários argumentos usados pelos que se opõem à proposta de lei que vai a referendo, apesar de não me coibir de os refutar, mas há um a que não me permito tal condescendência: o que rebate a lei afirmando que é um atentado ao dinheiro dos contribuintes a interrupção da gravidez em hospitais públicos. É verdade, assim será! Mas, segundo essa lógica, não vamos tratar os milhares de pessoas com doenças cardiovasculares devido a maus hábitos alimentares, os cancros de pulmão causados pelo tabaco e deixaremos de dar anti-retrovirais a todos aqueles que contraíram o HIV devido a relações sexuais desprotegidas... O cofre de Serviço Nacional de Saúde gosta com certeza deste argumento!
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