Elogio da Loucura 
(Erasmo de Rotterdam)
  
FALOU A LOUCURA
  Sobre a loucura: Quanto mais se é louco, mais se é feliz.  Apenas a Loucura conserva a juventude e afugenta a importuna velhice.  Quanto mais o homem se afasta de mim, menos goza a vida.  Dona Natureza, genitora e criadora do gênero humano, tem o cuidado de em tudo deixar uma pitada de loucura.  A Fortuna gosta das pessoas irrefletidas, das temerárias, daquelas que dizem habitualmente: “A sorte está lançada.”  A Sabedoria torna tímidas as pessoas; encontrareis em toda parte sábios na pobreza, na fome e na miséria. Os loucos, ao contrário,nadam em dinheiro, tomam o leme do Estado e, em pouco tempo, são florescentes em todos os pontos.  Só os loucos têm o privilégio de dizer a verdade que não ofende. 
  A mulher: Juntar a mulher ao homem, seria, realmente, dizia eu, (criar) um animal delicioso, louco e insensato.  Em vão a mulher veste a máscara, continua sempre mulher, ou seja, louca. É este dom da loucura que lhes permite ser, em muitos aspectos, mais felizes que os homens.  Aliás, que mais procuram elas nesta vida, senão agradar o mais possível aos homens. 
  O amor e a paixão:  O que distingue o louco do sábio é que o primeiro é guiado pelas paixões, o segundo, pela razão.  Existem paixões que ajudam os pilotos experientes a ganharem os portos.  Quem não fugiria de um homem desses, fechado a todos os sentimentos, incapaz de uma emoção, alheio ao amor e à piedade?  O amante apaixonado já não vive em si, mas inteirinho no objeto amado; quanto mais sai de si mesmo para se fundir neste objeto, mais se sente feliz.  E quanto mais perfeito é o amor, mais forte e delicioso é seu tresvario. 
  A vida: Se a vida permanecesse triste, não se chamaria vida. Quanto menos motivos tem o homem de prender-se a ela, mais a ela se agarra.  Que importa, aliás, que morra, aquele que jamais viveu?  A felicidade consiste essencialmente em querer-se ser o que é.  O santo a quem tu rezas te protegerá, se tua vida se parecer com a dele.  Dirão que é uma infelicidade ser enganado. Bem maior infelicidade é não o ser.  É um enorme erro fazer a felicidade basear-se na realidade.  Há uns que são ricos apenas de esperanças; seus sonhos agradáveis bastam para torná-los felizes.  Nenhum bem satisfaz se não for compartilhado. 
  As ciências e os sábios:  As Ciências irromperam na humanidade com o resto dos seus flagelos.  O homem é o mais calamitoso dos animais, porque todos aceitam viver nos limites de sua natureza, ao passo que ele é o único que se esforça por superá-la.  Eis porque Deus, quando criou o mundo, proibiu provar o fruto da árvore da Ciência, como se a Ciência fosse o veneno da felicidade.  O louco fala loucuras; os sábios, pelo contrário, têm duas línguas: uma para dizer a verdade, outra para dizer o que é oportuno.  A pior das faltas de habilidade é ser sábio fora de hora. 
  Tipos humanos: Os gramáticos enchem a cabeça das crianças com puras extravagâncias.    Qual a necessidade da gramática, já que a língua é a mesma para todos e a única utilidade da palavra é fazer-se entender? Como se fosse motivo de guerra tirar uma conjunção do domínio dos advérbios.  Alguns atores estão no palco representando seus papéis; alguém tenta tirar-lhes a máscara. Destruída a ilusão, toda a obra se estraga.  Os poetas formam uma raça independente, constantemente aplicada em seduzir os ouvidos dos loucos com ninharias e fábulas completamente ridículas.  Da mesma farinha são os escritores, que aspiram à fama imortal com a publicação de seus livros...O supra-sumo é cumularem-se de elogios recíprocos em epístolas e peças em versos. O escritor, sob meus auspícios, desfruta um feliz delírio, e sem fadiga deixa fluir de sua pena tudo o que lhe passa pela cabeça, sabendo, aliás, que quanto mais fúteis forem suas futilidades, mais aplausos recolherá. Sempre é o mais inepto que encontra mais admiradores.  Os jurisconsultos reclamam o primeiro posto (da loucura), pois não existe ninguém mais vaidoso – amontoam textos de leis sobre um assunto sem a mínima importância.  Depois deles vêm os filósofos e se declaram os únicos sábios, vendo no resto da humanidade umas sombras flutuantes.  Os teólogos. A erudição de todas (suas escolas) é tão complicada que os próprios apóstolos necessitariam receber um outro Espírito Santo para discutir tais assuntos com esses teólogos de um novo gênero.  Os monges. O que ambicionam não é se assemelharem a Cristo, mas se diferenciarem um do outro. 
  CITAÇÕES: O número de loucos é infinito. (Eclesiastes)  O mundo está repleto de loucos. (Cícero)  O louco muda como a lua, o sábio permanece como o sol. (Eclesiástico)  A própria loucura faz a alegria do insensato. (Salomão)  Quem contribui para a ciência contribui para a dor; quanto mais conhecemos, mais nos irritamos. (Eclesiastes) O coração dos sábios está onde está a tristeza. O coração dos insensatos, onde está a alegria. (Eclesiastes)  O louco vai pelo seu caminho, acreditando que todos os outros são loucos como eles. (Idem)  Que aquele dentre vós que parece sábio se torne louco para ser sábio. (São Paulo)  A loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria dos homens. (Idem) 
  FONTE:  Elogio da Loucura  – Erasmo de Rotterdam (Tradução de Maria Ermantina Galvão. Martins Fontes, São Paulo, Brasil, 2004) 
 
  
 
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