Assim Caminha a Humanidade
(Sinésio Capece)
Fernanda trabalhava há pouco mais de dez anos em uma multinacional de grande porte do sistema bancário. Com seus altos e baixos, às vezes achava-se acomodada em seu cargo, outras vezes se envolvia num rompante de rebeldia, no entanto, ótima profissional, sempre cumpria suas metas e colocava-se entre as executivas de contas que mais conseguia vender os produtos que o banco oferecia aos seus clientes.Num determinado dia da última primavera, uma gerente de uma agência bancária próxima, concorrente, de outra grande multinacional, no país há muitos anos, fez-lhe uma visita e um convite irrecusável para mudar de emprego.De emprego novo, Fernanda viu seu mundo cair em sua cabeça! Com o país vivendo uma das suas crises de recessão e desemprego mais profundas, prática adotada pelo governo recém eleito, Fernanda tinha diante de si uma meta impraticável e a cobrança incessante. Conhecedora do mercado, a moça sabia que aquela prática estava fora da realidade e dos padrões do mercado, no entanto, seu senso de profissionalismo e a necessidade da manutenção daquele emprego começaram a minar suas energias. Fernanda não mais conseguia dormir e passava boa parte do dia, dia-a-dia, chorando. Sua depressão aumentava proporcionalmente às cobranças diárias de cumprimento de metas e às promessas de rever sua contratação. Boas palavras para dizer “cuidado, eu vou te demitir”!Incapaz de dar solução para seu problema sozinha, procurou ajuda de um psicólogo e pouco a pouco foi readquirindo pequena parte de sua confiança, até então completamente devastada pela avalanche que vinha sofrendo, com forte sentimento de incapacidade.Pouco mais de três meses, magra pela falta de apetite e com profundas olheiras, já que não conseguia dormir nem parar de chorar, Fernanda teve diante de si sua derradeira avaliação. Das 45 novas contas que teria que abrir como meta, número absurdo, uma vez que a média do mercado era de 12, Fernanda cumpriu 42.“Bola na trave não é gol”! Escutou de sua avaliadora, a mesma que a havia contratado, que continuou: “Você está dispensada de nosso quadro”!Fernanda não teve grandes dificuldades para se recolocar, afinal, era uma ótima profissional. Algumas semanas depois, numa daquelas obras do destino, uma de suas amigas pessoais conheceu a gerente de recursos humanos da empresa que havia demitido Fernanda. Identificando que ambas conheciam Fernanda, a gerente lhe contou que a moça havia participado de seu projeto, ao que a amiga indagou “mas que projeto, ela não havia sido contratada”?Tratava-se de um projeto que consistia em contratar 12 executivos de contas, de ponta no mercado, colocar-lhes níveis de cobrança de metas extremos, para conquistar o maior número possível de novas contas. Depois de três meses o projeto seria encerrado, com a demissão de 10 dos 12 contratados.Fernanda, nem tão pouco os outros 11 contratados foram informados previamente que se tratava de um projeto e não da contratação de pessoal. Nenhum deles teve a escolha de participar ou não do projeto. Assim como Fernanda, com seus 10 anos de empresa, outros profissionais teriam recusado a proposta. Com certeza nem todos os demitidos após terminado o projeto tiveram a mesma sorte de Fernanda numa rápida recolocação, muito menos tiveram a perspicácia da menina, que vendo a situação ficar difícil, correu buscar auxílio de um profissional competente. Muitos deles devem estar com dificuldades para levar comida para seus filhos.Esta história não é uma ficção, ela ocorreu na cidade de São Paulo, Brasil, ao final do ano de 2003. O nome utilizado é fictício, para proteger a identidade verdadeira de Fernanda. O nome do banco idealizador do projeto não é citado, para proteger este que lhes escreve de ações processuais.O capitalismo, que tem como função básica o acúmulo de capital, através de bens e dinheiro, não nasceu com a função de tirar a dignidade do ser humano. Ao contrário, conhecemos a eterna frase: “O trabalho dignifica o homem”! E qual a dignidade que restou dentro da história que acabou de ser contada? O dinheiro deveria servir para trazer o bem-estar, dando recursos para que o ser humano realize seus sonhos e desejos, não para que o ser humano seja dizimado. Mas não, estamos virando algo de destruição, no mais puro canibalismo.Este artigo não é um testemunho contra o capitalismo, mas contra o canibalismo institucionalizado. Este artigo tem a função de alertar, funcionários e patrões, dos perigos que estamos correndo, trocando a humanidade por um punhado de moedas.
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