Decifrando Mitologias
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Eu me senti mal após ingerir o suco da sala dos professores. Estava sendo um tumultuado início de semestre. Como se não fosse bastante, naquela noite acordara em meio a sonhos intranqüilos. Deveria haver alguma coisa naquele suco. Essa foi minha especulação após sentir seus efeitos. Era como se meu corpo diminuísse e encolhesse; vertigens atacavam-me o equilíbrio. Deve ter sido alguma brincadeira da equipe pedagógica. Lembrei-me da história que uma colega de faculdade contou: numa festa maluca, colocaram ácido lisérgico num ponche. Todo mundo ficou pirado. Porém, aquela equipe pedagógica parecia tão séria. Sentia essas estranhas sensações na saída da escola onde lecionava, calado e fazendo associações que iam me deixando num pânico cada vez maior. Foi quando uma colega resolveu me dar uma carona. Era Ellen, uma professora de inglês que falava sem parar. --Você gostou dessa equipe pedagógica? --Mais ou menos. O supervisor usava botas de militar. E a postura era de sábio hindu, possuidor de todas as verdades... --Aquela coisa de dizer que a escola pública precisa criar uma elite que transforma. Nunca vi elite que transforma! Toda elite quer só se poder. Isso é coisa de petista. --Não fale assim que você vai criar briga na escola. Naquela equipe devem existir muitos deles. Esse conceito de elite que transforma é do Lênin. O partido comunista seria uma elite que faria as transformações. --Mas você viu no que deu a pedagogia do oprimido? Deu naquelas escolas de Sem-Terra, onde as crianças gritam e aprendem a odiar as elites! Precisamos preparar as crianças para o derretimento das calotas polares, para a globalização... --Para morrer? --Uma pedagogia da morte. ---Diga isso ao supervisor numa festa. Momentaneamente passou o mal-estar. Ellen me deixou bastante próximo de minha casa. Minha mulher perguntou-me o que estava acontecendo, o motivo de minha palidez. Comecei a falar sem parar: --Alice, havia alguma coisa no suco que nos serviram durante a reunião. Não resolvemos nada. Fiquei me sentindo mal...Coisa esquisita. Peguei uma carona com a professora Ellen. Estávamos elaborando uma nova pedagogia da morte e associando o discurso do PT com o de Lênin, debatendo se existe uma elite que transforma ou se isso é coisa de petista, sabe? Aí aconselhei-a a dizer isso ao supervisor bêbado... --Bernardo, você está inventando... --Mas Alice, eu já disse que não sou mitômano! Nessa afirmação ecoavam as discussões que eu e minha esposa andávamos tendo. Alice era psicóloga e estava fazendo um mestrado sobre mitomanias e fantasioses. Classificava os escritores em vários tipos de mitomanias. O primeiro mitômano seria Homero. Eu não aceitava essa análise, achava psicanalhice fazer isso. E afinal o que eu tinha era uma estafa e labirintite, conforme um laudo médico. Foi assim que escapei da pedagogia da morte por uns tempos.
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