Os conceitos de habitus e campo em uma pesquisa histórica
(Pablo Silva Machado Bispo dos Santos)
Os conceitos de habitus e campo se caracterizam, entre outras coisas, por suas propriedades relacionais e sua “plasticidade” quando se trata de auxiliar na compreensão de fenômenos e apreensão de objetos no campo das ciências sociais. Partindo do princípio que em Ciências Sociais, “tudo é relacional”, uma das principais possibilidades que surgem quando se vai operar com o escopo conceitual de autores como Pierre Bourdieu é a de tentar aplicar estes conceitos a conhecimentos e objetos de diversas áreas de conhecimento. Com esta finalidade, procuro discorrer brevemente sobre algumas possibilidades da aplicação de tais conceitos em uma pesquisa educacional de caráter histórico (como a que pretendo desenvolver em minha tese de doutorado). Pierre Bourdieu é um autor cuja influência se alastrou por vários dos espaços disciplinares (e interdisciplinares) das ciências sociais. Quando se trata de realizar pesquisas em educação (principalmente na área de sociologia da educação), é comum a tentativa de operar com os conceitos de habitus e campo como se estes fossem entidades distintas, estanques e incomunicáveis (NOGUEIRA, 2002), gerando então desnaturações destes conceitos sem conseguir no entanto que apesar destas modificações, tais conceitos se prestem a analisar diferentes realidades sociais e temporais. Com vistas a tentar evitar a reincidência neste tipo de equívoco, procuro verificar de maneira atenta quais são as possíveis conexões entre as dimensões relacionais dos conceitos de habitus e campo , e a temporalidade histórica (DOSSE, 2003) a que o objeto em que pretendo concentrar meus esforços heurísticos (mas também herísticos) está vinculado. Mas como isto poderia ser feito? Para tentar responder a esta questão, recorro à seguinte citação de Bourdieu: “o inconsciente é a história – a história coletiva que produziu nossas categorias de pensamento, e a história individual por meio da qual elas nos foram inculcadas: por exemplo, é a história social das instituições de ensino (a mais banal e a mais ausente da história das idéias, tanto das filosóficas quanto das demais) e a história de nossas relações (esquecida ou recalcada) com estas instituições que podem nos oferecer algumas verdadeiras revelações sobre as estruturas objetivas e subjetivas (classificações, hierarquias, problemáticas, etc.) que, a despeito de nossa vontade, sempre orientam nosso pensamento (BOURDIEU, 2003, p. 19)”. Conforme visto anteriormente, o habitus possui muito mais de senso prático do que de cálculo racional, e este “senso prático” permanece muito mais nos hábitos automáticos e nas condutas inconscientes do que na dimensão subjetiva racional. Tomando por princípio a idéia de que “o inconsciente é a história”, uma das possibilidades que se abrem para operar com os conceitos de habitus e campo em uma pesquisa na área de história da educação seria, justamente como indica Bourdieu, procurar realizar uma história social das instituições de ensino. Esta modalidade de estudos históricos pressuporia uma espécie de “estudo pelos contrários” (BACHELARD, 2004) como forma relacional de se chegar a inferências sobre o habitus e o campo que constituem a realidade social (pertencente ao passado) estudada em uma pesquisa deste jaez. Tal estudo pelos contrários se daria de forma a buscar, ao se estudar o processo de formação do habitus de alguns agentes pertencentes a tais instituições (algo parecido com as reflexões que Pierre Bourdieu desenvolve em sua obra intitulada “Esboço de auto-análise”), realizar um estudo do campo que formou e conformou as instituições escolares em que o sujeito atuou e que foram influentes em sua trajetória (mas também foram por ele influenciadas), o que tornaria possível reconstruir historicamente, pela via do estudo das trajetórias individuais, traços da dinâmica de campos sociais que configuraram instituições escolares em momentos do tempo distintos do atual. Igualmente, ao se estudar o campo (ou os campos) em que se situavam determinadas instituições escolares à época escolhida como elemento de periodização do estudo, se poderia, por uma análise aprofundada das leis deste(s) campo (s), e da illusio envolvida nas disputas pelo poder neste(s) campo(s), realizar inferências a respeito dos padrões de formação dos habitus dos sujeitos nelas presentes, e assim, reconstruir (ao menos em parte) elementos da história social das instituições escolares relativos aos sujeitos nelas presentes e às relações destes com o campo e as estruturas sociais nele presentes à época estudada. Finalizando, pode-se dizer sem nenhuma sombra de dúvida que o trabalho conceitual com este autor, se desenvolvido com rigor e atenção, constitui-se em arcabouço teórico-metodológico de enorme valia para autores de vários campos das ciências sociais, não circunscrevendo-se somente ao campo da sociologia, desde que compreendidos e observados os fundamentos de sua análise relacional do mundo social.
Resumos Relacionados
- O Capital Em Pierre Bourdieu: Para Além Da Visão Economicista
- Phieldwork In Philosophy: A Trajetória E O Conceito De Habitus
- Primeiras Lições Sobre A Sociologia De P. Bourdieu
- As Classes Sociais Como Obstáculo Epistemológico
- Porque As Classes Sociais São Um Obstáculo Epistemológico Da Teoria Marxista?
|
|