Aprendendo a pensar claramente - parte 1: a dúvida salutar
(Pablo Silva Machado Bispo dos Santos)
Este é o primeiro abstrato de uma série que compus com o objetivo de dividir com os leitores do shvoong alguns pequenos fundamentos do raciocínio claro e organizado. Antes de iniciar, porém devo deixar claro que estas reflexões que coloco nesta pequena série se apóiam largamente em autores como Aristóteles, Platão, René Descartes, Immanuel Kant, Gaston Bachelard e Blaise Pascal. As referências consultadas virão no último resumo da série como uma espécie de anexo, para permitir aos leitores reconstruirem (se desejarem) o caminho de leitura que percorri até chegar à composição deste texto.O primeiro tema que será abordado nesta série é o que se refere à questão da dúvida. A esse respeito, Sören Kierkgaard em seu livro: "De Omnibum Dubitare" (É preciso duvidar de tudo) nos traz a dúvida cética como único meio de chegar ao conhecimento. Não iria porém tão longe, pois a dúvida circular, aquela voltada contra a própria capacidade de aprender algo, ou mesmo contra a própria existência de quem duvida traz mais danos do que benefícios se não for corretamente empregada. Na atualidade vivemos em uma sociedade que se prende a um dos dois extremos: ou se duvida de tudo (antes mesmo de investigar as causas da suposta dúvida) ou se aceita passivamente tudo o que é apresentado em termos de conhecimento. Defendo a idéia de que nenhum dos dois extremos satisfaz à nossa necessidade contemporânea de conhecimento.Mas eis que fica a questão: como então devo duvidar? Existe uma dúvida salutar?De um ponto de vista apoiado no Criticismo Kantiano e no Racionalismo de toda a geração de René Descartes (incluindo Leibniz, Pascal e Whitehead ), existe a possibilidade da dúvida obedecer a um método, o qual permitira extrair do movimento mental de duvidar os fundamentos próprios à atividade de compreender o mundo. Tal método pode ser sintetizado em alguns pequenos passos que apresento agora:
1. Entender qual a dúvida: muitas pessoas ao terem dúvida sobre um ponto se encontram tão confusas que não conseguem nem saber como expressar sua dúvida em forma de pergunta. Mesmo algumas que conseguem esta expressão, muitas vezes por falta do hábito de organizar o raciocínio acabam por pergutar uma coisa quando deveriam perguntar outra. Com vistas a eliminar este problema sugiro que, ao surgir a dúvida, sejam feitas para si mesmo as seguintes perguntas: qual ponto não ficou claro? O que desejo saber com esta pergunta? Com isto, começa-se a aclarar o pensamento para que a investigação prossiga.
2. Diferenciar fato de argumento: a discussão sobre fatos e argumentos é antiga e controversa. Há os que defendem a inexistência dos fatos (especialmente alguns retóricos) e há os que defendem que os argumentos nada mais são do que fatos apresentados de maneira persuasiva. Para nossos interesses práticos nenhuma das duas posições interessa. Cabe-nos prestar atenção, no momento da resposta à pergunta (ou à dúvida) se quem responde tenta somente induzir o interlocutor por meio de argumentos, ou se os "fatos" apresentados são demonstráveis. Com o tempo, fica cada vez mais clara a distinção entre uma coisa e outra.
3. Aprender a dar utilidade à dúvida: a partir da dúvida muitas coisas podem surgir, e diria que saber duvidar é um dos fundamentos do conhecimento humano bem construído. Neste sentido, defendo a idéia de que a pessoa deve habituar-se a formular suas dúvidas/questões tendo em vista a sua utilidade em termos de conhecimento. Isto pode ser feito simplesmente perguntando a si mesmo: porque desejo esclarecer este ponto? Com o tempo perceberemos que muito de nossa capacidade mental era desperdiçada com dúvidas sem fundamento, enquanto que questões cruciais de nossas vidas nem sempre são contempladas em nossas cogitações.
4. Saber a quem dirigir a dúvida: tão importante quanto fazer uma pergunta pertinente é fazê-la a alguem que possa te responder de modo satisfatório. De nada adianta uma pergunta bem formulada e um interlocutor que vai te desviar do caminho do entendimento, seja por inépcia, seja por má intenção. Aparentemente óbvio, este preceito não é seguido por muitos de nós e requer grande atenção para tornar a busca pelo entendimento proveitosa. Ademais, de nada adianta consultar um médico querendo esclarecer uma dúvida sobre a história das ciências, por exemplo.
5. Tentar responder mentalmente à sua própria dúvida: este passo é muito importante, pois mesmo que não seja possível responder à sua própria questão, ao colocá-la novamente (e se possível de outro modo) o raciocíio toma novos caminhos e leva-nos na melhor das hipóteses a reformular nossas dúvidas e conceitos.
Estes pequenos passos são a contribuição que deixo aos leitores do shvoong, modesta certamente, mas ofertada como uma maneira simples de trazer a todos os fundamentos da reflexão filosófica e epistemológica. No próximo abstrato desta série irei abordar a questão da composição de argumentos. Bom proveito a todos!
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