A formação da mentalidade submissa
(Vicente Romano)
O nosso país é caracterizado por uma falta de industria cultural, especialmente no que ao cinema diz respeito, mas não sendo substancialmente melhor nos domínios da música e literatura. Não existindo uma indústria propriamente dita, é impossível existir um lado alternativo, pois a alternativa funciona sempre como uma opção diferente da “normalizada”.
Ainda assim, existem uma mão cheia de aldeias gaulesas espalhados pelo nosso pais fora, que apenas não servem de exemplo para o cidadão comum, porque, derivado da falta de divulgação, a sua existência lhe é desconhecida
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“A formação da mentalidade submissa” é o primeiro livro traduzido para português do andaluz Vicente Romano, catedrático de Comunicação Audiovisual em Sevilha e doutorado pela Universidade Complutense de Madrid e pela Universidade de Münster. Traduzido (e com algumas notas) por Rui Pereira, foi editado pela deriva (http://www.derivadaspalavras.blogspot.com/). Este livro diferencia-se da maioria dos estudos de base sociológica publicados em Portugal, por não pretender fazer uma mera apresentação de dados, e de conclusões assentes nos mesmos.
A centenária teoria de Marx de que as relações de produção definem as relações sociais, dá o mote para uma crítica, que encontra a sua base na teoria da socialização (meio pelo qual o ser humano apreende as regras e normas do seu contexto social de pertença). O autor apresenta o facto sobejamente conhecido, mas pouco discutido de que a socialização nos dias que correm é cada vez mais da responsabilidade dos meios de comunicação e cada vez menos dos agregados familiares. Os próprios agregados familiares assentam o seu conhecimento não na experiência pessoal e em primeira-mão, mas baseiam as suas acções em modelos comportamentais absorvidos no papel de espectador.
Evitando a propaganda panfletária que a maior parte dos ensaios hoje em dia não consegue/quer evitar (ou por promoverem uma postura demasiado rígida, ou por formularem uma mera critica oca), não nos são apresentadas nenhumas soluções para os problemas socio-económicos actuais, mas antes, uma descrição em profundidade desses problemas, e uma investigação da sua raiz.
A única resposta sugerida é apenas que, o cidadão como parte responsável do processo democrático, tem de tomar consciência da sua vontade real e dirigir as suas acções de acordo com a mesma.
Usando de um humor negro corrosivo, mas nunca perdendo a acessibilidade ao leitor comum, Vicente Romano, apoia-se em dados e casos da vizinha Espanha para ilustrar situações pouco divulgadas, para um mundo com tantas e tão rápidas vias de comunicação, características da nossa aldeia global do século XXI.
Podendo encontrar bom uso tanto pelos pais como pelos filhos, “A Formação da Mentalidade Submissa” pode servir de mediador entre ambos e os agentes de socialização que nos bombardeiam a toda a hora com informação. Poderá ser uma boa maneira de os educadores (professores, pais, etc) aprenderem a fazer uma triagem do que é benéfico absorver nos meios áudio visuais, tanto para si como para os seus, e também de fornecerem aos seus educandos (filhos, alunos) informação de como lidar com o excesso de informação, e aprender a seleccionar e doseá-la. Será igualmente útil pelo cidadão comum, que tem a seu cargo a constante formação das suas próprias opiniões e mentalidade.
Em Portugal, onde os programas mais vistos são (a par com futebol e noticiários) os de ficção juvenil, como “Morangos com açúcar”, “Floribela” e outros, que fornecem modelos comportamentais e estereótipos aos espectadores, torna-se cada vez mais imperativo evitar a americanização que temos vindo a sofrer nos últimos anos, e não deixar que nós e os que nos rodeiam sejamos educados pela televisão, e tenhamos relações pessoais maioritariamente mediadas por máquinas, como os computadores ou os telemóveis.
Num pais, e num mundo, onde as comodidades culturais são cada vez mais desprovidas de critica e conteúdo, torna-se cada vez mais importante saber escolher entre todo o ruído visual e auditivo com que somos bombardeados minuto a minuto, e evitar a dormência de ser um mero espectador.
O filme de 1953 “O Selvagem”, onde encontramos Marlon Brando, a cavalgar uma Harley Negra, fardado de cabedal negro, é famoso pelo diálogo em que, a certa altura perguntam a Brando “What're you rebelling against, Johnny?” (Contra o que te revoltas, Johnny?), ao que ele responde “Whaddya got?” (O que é que tens?). Para não sermos o eterno rebelde sem causa, ou ainda pior, o rebelde contra a causa errada, há que tomar a busca do conhecimento nas nossas mãos, e não ser apenas um recipiente vazio á espera de ser cheio.
Conforme afirma o autor numa entrevista á Revista Visão de 2 de Novembro “(…) Ampliar conhecimentos sobre o meio e a sociedade em que vivemos. Descobrir como funciona. O conhecimento é sempre activo. E exige esforço. Depois, então, sim, tentar transformar a sociedade em nosso benefício (…) Se executarmos acções sem conhecer as suas causas, condições e efeitos, passamos a ser a causa, condição e efeito das acções dos outros.”
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