Segredos da Voz - Técnica Vocal no Canto
(Manuela de Sá)
Cap. XI – PORQUÊ UMA TÉCNICA VOCAL? Porquê uma técnica, um saber cantar, um controlo da voz? O produto final, ou seja, o programa a apresentar em público, deve transparecer naturalidade no fluir do som e das ideias, mas isso só se consegue depois de muitas horas de trabalho vocal e intelectual. Mas atenção: trabalhar muito não significa cantar uma quantidade enorme de horas, mas sim cantar pouco de cada vez, e em cada pouco ouvir-se, controlar-se, criticar-se, interrogar-se, sem fazer do estudo uma repetição infindável e sem sentido, a qual geralmente se reduz a cimentar erros sem produzir progressos. Os dois aspectos de “estudo vocal” e “estudo de reflexão” devem sempre ser complementares. Para além de aprendermos a melodia e o seu encaixe no conjunto melódico, depois de vencidas as dificuldades de emissão, é necessário trabalhar à parte: adaptação fonética de cada texto; tradução; inflexões nas frases (melodia-texto); período histórico da obra (para perceber a mensagem e a mentalidade que a ela presidem); e no caso da ópera, ler a trama, penetrando nas emoções. Os profissionais de canto, sejam eles professores, alunos ou já cantores a fazer carreira, devem aliar à sua formação intuitiva outros conhecimentos. Devem querer sempre saber mais, para fazer melhor.
“Canto primário”: refere-se à produção de sons vocálicos primários, com função de chamamento ou de expressão de medo, como um acto primário e natural. “Canto musical”: ao serviço de um texto e das coordenadas tempo (pulsação), ritmo e altura, é um estado elaborado e muito recente no Humano, comparando com o primeiro. Assim, uma pessoa capaz de emitir sons belos não é necessariamente um cantor – ao serviço da música – já que este, para além de uma faringe muscularmente versátil, espaço temporo-mandibular amplo, boa mobilidade do palato mole, boa ventilação pulmonar, bom controlo respiratório, boa adaptação física às diversas frequências exigidas, precisa também de reunir várias condições intelectuais, de memória, sentido de proporção, sensibilidade auditiva, conhecimento de idiomas, incessante vontade de conhecer o mundo que o rodeia (nos planos artístico, humanista e científico) e coragem para enfrentar o público, de forma a que o stress da actuação não o bloqueie e impeça de comunicar.
Quais os grandes objectivos em direcção aos quais trabalhamos? Quais os mecanismos intervenientes em tal caminhada? Quais podemos controlar pela vontade? Quais os que não podemos voluntariamente alterar? E mesmo estes, será que lhes podemos tocar de forma indirecta? Por exemplo, quando nos aparece uma voz pela primeira vez e o som é desagradável, é preciso pôr alerta o “ouvido funcional”, aquele que conduz o professor a interrogar-se sobre qual a razão para esse som ser esteticamente mau e propor uma solução do tipo: “cubra a vogal /a/ misturando-a com /o/” numa zona de passagem, para que a cartilagem corticóide bascule para baixo e para a frente, sem que se possa directamente pegar na cartilagem e puxá-la para a nova posição. Muitas vezes, na recuperação do trabalho global e individual dos músculos da laringe, o som que o aluno emite não é belo, mas já corresponde a um progresso que em breve conduzirá à flexibilidade de todas as articulações, ao coordenar perfeito e natural dos movimentos saudáveis da laringe. Só depois podemos pensar em colorir a voz, em ajudar o aluno a descobrir os seus ressoadores, e a usá-los, de forma a enriquecer, suavizar e arredondar o som vocálico que chega ao ouvinte. O aluno aprende assim uma forma segura e familiar de emitir. Mais tarde, estes conceitos de “suave”, “redondo” e “rico em harmónios” deverão ser alargados, mas isto só depois de assimiladas a postura vocal e as sensações. Aí é preciso descobrir como fazer contrastes no colorido tímbrico e onde se devem: utilizar inflexões dramáticas com ataques mais duros; utilizar vogais mais claras ou mais cobertas (segundo o carácter da obra); utilizar consoantes duras e inibição do vibratto natural para obter efeitos acutilantes; aprender a fazer verdadeiros “crescendo” e “decrescendo”, passando gradualmente da vogal clara à sombria e vice-versa, e da pequena pressão na coluna de ar à maior pressão e vice-versa; abordar os agudos com muita contenção de ar (apoiados) ou pelo contrário, sem pressão abdominal (mais etéreos e menos possantes). Enfim, tentar com engenho as múltiplas combinações, mantendo uma emissão saudável.
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