As Relações da Sagrada Família, na Perspectiva Cristã e na Perspectiva de Saramago (3ª parte)
(Artigo de Márcia Elizabeti Machado de Lima)
Em prosseguimento à análise da narrativa de Saramago, Jesus abandona o lar e passam-se quatro anos, até tornar a “pisar o chão de Nazaré”, saiu menino, voltou homem feito. Cresceu, viveu, sentiu, amou, “(...) perguntou no Templo, refez os caminhos da montanha com o rebanho do Diabo, encontrou Deus, dormiu com Maria de Magdala (...)” (p. 291). De volta, Jesus revela à mãe e aos irmãos o seu encontro com Deus, esperando receber crédito, pois da família não esperava ser desacreditado, “(...) sendo da sua carne, deveriam ser também do seu espírito” (p.307). Repete três vezes: “Eu vi Deus” e, a cada vez, a indignação e o descrédito dos seus vão aumentando, a ponto de o acusarem de louco – “(...) Terá sido uma ilusão tua (...), O sol do deserto fez-te mal à cabeça (...)” (p. 301,302).
Mediante as acusações, em que Maria conclui ter Jesus vivido sem Deus, nos quatro anos que esteve longe, e em companhia do Diabo, a resposta de Jesus vem aproximar, reunir, celebrar e combinar o sagrado com o profano: “ao fim de quatro anos com o Diabo encontrei-me com Deus (...)” (p.302), é a idéia fundamental do carnaval na literatura, que, segundo BAKHTIN (p.124), “tudo destrói e tudo renova (...) nada absolutiza, apenas proclama a alegre relatividade de tudo (...)” ·.
Basta! não suporta as desconfianças e humilhações, vai embora novamente, dessa vez sem esperança de volta, aonde irá encontrar quem lhe dê crédito? “Esse homem que traz em si uma promessa de Deus, não tem outro sítio aonde ir senão a casa duma prostituta” (p.303). Vai viver definitivamente com Maria de Magdala, a quem já tivera o prazer de conhecer.
Antes da revelação de Jesus a Maria, de ter visto Deus, sentados no chão, frente a frente, ele partiu um pedaço de pão em duas partes, deu uma delas a Maria, dizendo: “Que este seja o pão da verdade, comamo-lo para que creiamos e não duvidemos, seja o que for que aqui dissermos e ouvirmos, Assim seja, disse Maria de Magdala” (p.308), é a recriação paródica do ritual da Eucaristia – o qual sabemos que simboliza a comunhão entre os fiéis, o partilhar da mesma fé. Aqui é celebrado na intimidade dos amantes, em pleno contraste com o relacionamento de José e Maria, para os quais a sexualidade parecia não ir além da carne, reduzia-se à “mais insistente urgência” (p.26) por parte de José ou ao cumprimento dos “deveres de mulher casada” da parte de Maria. A união entre Jesus e Maria de Magdala é plena, entre eles não haverá restrições, nem segredos, até porque ela diz ser a própria boca e os próprios ouvidos dele. Ela, nem por um instante duvida dele, o acompanha, aconselha, ampara, até a morte, “(...) Tua mãe não acreditou em ti, Assim é, respondeu Jesus, E por isso voltaste a esta outra casa, Sim, Quem me dera poder mentir-te, para te dizer que também não acredito, (...), e eu não te crendo (...) não teria de viver contigo as coisas terríveis que te esperam (. ..).” (p. 309).
O jogo paródico novamente se instaura, e a Maria prostituta, agora, revela-se portadora de maior fé nos desígnios de Deus que a escolhida para mãe do Salvador, que duvidou da palavra do filho, assim como vai duvidar da sua paternidade divina. A outra Maria aceita seguir a Jesus que lhe propõe viverem como marido e mulher, ao que ela responde “(...) já é bastante que me deixes estar ao pé de ti.” (p.310). Sábia mulher que, ao ser questionada por Jesus sobre o pressuposto sofrimento que ele teria que passar como o escolhido de Deus, diz “(...) Não sei nada de Deus, a não ser que tão assustadoras devem ser as suas preferências como os seus desprezos (...)”. (p.309). Ela que já experimentara toda sorte de preconceitos pela sua condição de prostituta, diz ter sido avisada em sonho de que “Deus é medonho”, como a confirmar o que Jesus já havia pensado anteriormente: o Deus que pode tudo tem o homem como um “simples joguete” em suas mãos.
A pedido da mãe (Maria), partiram os irmãos de Jesus, José e Tiago, incumbidos de localizá-lo e dizerem que a mãe implorava seu retorno à casa. Encontraram-no, mas já não adiantou, era tarde; ao ouvir o recado da mãe, Jesus responde que definitivamente não voltaria. Lembrado dos laços de sangue que os uniam, Jesus respondeu-lhes: “(...) Quem é a minha mãe, quem são meus irmãos, meus irmãos e minha mãe são aqueles que creram na minha palavra na mesma hora que eu a proferi (...), são aqueles que não precisem esperar a hora da minha morte para se apiedarem da minha vida (...).”
Ao resgatar a narrativa bíblica, no plano textual, o ficcionista diferencia quase nada a fala de Jesus, daquelas proferidas segundo o texto original. A diferença faz-se pela situação em que acontecem, como exemplo do que Josef (p.53) diz sobre a paródia: “... a linguagem torna-se dupla (...): é uma escrita transgressora que engole e transforma o texto primitivo: articula-se sobre ele, reestrutura-o, mas ao mesmo tempo, o nega”. Eis a estrutura da narrativa, pela qual se realiza, conforme TOLEDO (p.92), “... a louca idéia de voltar à história mais sabida e mais contada do mundo, a história de Jesus (...)”, nessa nova versão, ele rejeita sua família por motivos que já conhecemos, não cabe formularmos desculpas pelo seu comportamento.
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