O Celibato de Cristo no Discurso Religioso e o Relacionamento com Maria de Magdala (2ª parte)
(Artigo de Márcia Elizabeti Machado de Lima)
Na seqüência da análise que fizemos, na pesquisa da narrativa de Saramago, trazemos o enfoque de Piñero (2002:113), dizendo que, de acordo com o Evangelho Apócrifo de Filipe, “Maria de Magdala pode ser a personificação terrena da sabedoria que se une espiritualmente, pelo conhecimento, ao Salvador, num tipo de casamento puramente místico”– o que entraria em choque com as versões de Saramago e de Reich – as quais narram a concretização do encontro amoroso entre Cristo e Maria de Magdala. De toda forma, nenhuma das fontes discorda da presença forte e constante das mulheres na vida de Cristo, fiéis seguidoras até o fim – na crucificação e no sepultamento, conforme as citações: “E estavam ali, olhando de longe, muitas mulheres que tinham seguido Jesus desde a Galiléia para o servir, entre as quais estavam Maria Madalena...” (Mateus, 27: 55,56). “E as mulheres, que tinham vindo com ele da Galiléia, seguiram também e viram o sepulcro, e como foi posto o seu corpo.” (Marcos, 23:55). “E junto à cruz de Jesus estava sua mãe, e a irmã de sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena.” (João, 19:25). “José, com a ajuda das mulheres, levou o corpo cuidadosamente para uma carroça que tinha preparado e o conduziu até a sua propriedade. Ali lavaram o corpo, envolveram-no num lençol e o puseram no sepulcro.” (Piñero, 126). “As mulheres sobem ao lado de Jesus, umas tantas aqui, umas tantas ali, e Maria de Magdala é a que mais perto vai ...” (Saramago, p. 443). “As mulheres de Cristo, que conheceram e amaram seu corpo, estavam presentes junto à cruz; serão elas que mais tarde despregarão o cadáver do supliciado. Foi uma mulher que sentou-se perto de seu túmulo e encontrou-o vazio, dando origem a toda a mitologia da ascensão de Cristo ao céu.” (Reich, 176).
No que se refere à sexualidade de Cristo, a narrativa de Saramago é construída progressivamente, de forma a preparar o leitor para a iniciação do aspecto que vai tornar Jesus em homem adulto. Formula, então, um diálogo entre o Diabo (disfarçado em pastor) e Jesus, sobre as partes do corpo, que sendo todas criadas por Deus, tanto faria agradecê-lo levantando as mãos como o que tinha entre as pernas – ao que Jesus escandaliza-se – e prosseguindo o diálogo, sempre carregado de ironias a respeito de Deus, o pastor aconselha a Jesus: “(...) Escolhe uma ovelha, ..., Quê, perguntou Jesus desnorteado, Digo-te que escolhas uma ovelha, a não ser que prefiras uma cabra, Para quê, Vais precisar dela, se realmente não és um eunuco.” (p. 237)
Jesus, envergonhado, tapa o rosto com as mãos, porém o narrador enfatiza que a vergonha maior, Jesus sentiu pela sensação de volúpia causada pelas palavras do pastor. Mais adiante, como a dialogar com o leitor, o narrador retoma a passagem anterior, dizendo: “O que nunca lhe irá acontecer, sosseguem os espíritos sensíveis, é cair na horrível tentação de usar, como lhe propôs o malicioso e pervertido Pastor, uma cabra ou uma ovelha, ou as duas, para descarga e satisfação do sujo corpo com que a límpida alma tem de viver. ” (p.240).
Na evolução da narrativa, logo adiante temos o narrador tecendo suposições para a fértil imaginação de Jesus que seria desencadeada a partir do canto de uma mulher, imaginada nua, na margem do rio Jordão, ao que observa: “O corpo de Jesus deu um sinal, inchou no que tinha entre as pernas (...)” (p.270), Mas Jesus não foi dali à procura da mulher, e as suas mãos repeliram as mãos da tentação violenta da carne. Nesse momento, aparece uma fala, que o irônico narrador diz não saber de quem são as palavras, já que não poderia ser de Deus, e o “pastor” estava longe dali. Jesus ainda hesita em usar as mãos para se satisfazer, mas a lembrança do clássico episódio do Velho Testamento, é o que o impede – “(...) de súbito pára, lembrou-se a tempo de que o Senhor tirou a vida a Onan por derramar o seu sêmen no chão.” – Ao queo narrador ironiza dizendo que, se Jesus tivesse comparado analiticamente a situação de Onan em relação à sua, talvez tivesse concretizado o ato, pois na sua história não havia “uma cunhada com quem devesse, pela lei, dar posteridade a um irmão morto (...)” (p. 271).
Tudo isso são artimanhas de um narrador que determinou que Jesus deveria continuar virgem, até encontrar-se com Maria de Magdala, que assume, no dizer de Bastazin (In Berrini, 1999: 51), “o perfil de fada que, experiente, surge no caminho do herói para dele cuidar não só com“poções mágicas” – água e ungüento – mas também com a delicadeza e o carinho próprios apenas às mãos muito especiais: “Todavia, a função dessa mulher, vai mais longe. Cabe a ela, o papel de “formar integralmente o nosso herói”. Em Saramago, depois de tecer uma série de elogios à amada, todos em linguagem metaforizada, “Jesus voltou lentamente o rosto para ela e disse, Não conheço mulher (...)”, ao que Maria, segurando-lhe as mãos, responde-lhe: “Assim temos de começar todos, homens que não conheciam mulher, mulheres que não conheciam homem, um dia o que sabia ensinou, o que não sabia aprendeu (...)” (p. 281).
Não é só Jesus que evoca as palavras do Rei Salomão no momento idílico, Maria, também, o citava quando lhe convinha encontrar palavras que demonstrassem carinho por Jesus.
Resumos Relacionados
- O Evangelho Segundo Jesus Cristo
- O Evangelho Segundo Jesus Cristo
- O Evangelho Segundo Jesus Cristo
- A Ressurreição De Jesus
- Fui Um Dos Setenta
|
|