A vida, apesar do mistério da origem, em MORTALIDADE E MORALIDADE
(Hans Jonas)
“A origem do universo permanece um mistério para nós. Mas assim que nos encontramos na área da vida propriamente dita, deixamos de nos basear em hipóteses” (tradução minha, muito livre, desta e das próximas passagens). Eis uma convicção monumental de Jonas. Convicção porque não se baseia em dados da experiência, embora parta da constatação da vida. Monumental porque norteia toda a sua filosofia e porque dá azo a críticas várias, oriundas de campos tão variados como os da religião, da ciência e da ética e de tempos tão diferentes como os do passado, do presente e até dos que do futuro se reclamam. Jonas descobre na vida o fundamento… de si mesma. O que é a vida? É onde nos encontramos, desde o primeiro sinal vital. A filosofia de Jonas parte da vida, das criaturas, não do acto de criação. Não que Jonas não se preocupe com o aspecto religioso (sabemos que o filósofo é judeu e que na segunda parte desta obra procura uma justificação, no âmbito da sua religião, para a permanência de Deus no coração dos homens. De facto, Deus sempre foi e será testemunha das nossas acções e tendo abdicado de si pela Criação, invoca-nos constantemente a responsabilidade de cuidar de si e da natureza). Mas a vida basta-se a si própria, tal como o homem, no que a Deus diz respeito. Como é que surgiu esta ideia de que a vida se basta a si própria? Apontamos para Aristóteles e para a noção de natureza como finalidade. Se a natureza tem em si um fim, ela é auto-interessada, movendo-se em ordem a um bem, que é a sua própria vida. Aqui Jonas recolheu iluminação de Heidegger, através da elucidação do que é o Dasein . O Dasein é a manifestação do ser, espontaneidade pura, criatividade auto-fundada, intencionalidade auto-centrada: “ Dasein é aquela forma de ser que, na sua existência, se preocupa com o próprio facto de ser.” Podemos agora entender melhor o que Jonas quer significar com o termo “transcendência”, utilizado logo no início do primeiro capítulo. A vida é consciência de si, é transcendência, na medida em que encontra em si mesma os fundamentos para a auto-determinação do seu ser, enquanto Dasein , ser do e no mundo. Agora, importante é sublinhar que Jonas se destaca a partir daqui de Heidegger, pois considera que toda a vida é portadora de “transcendência”, levando ao respeito pelo valor intrínseco de todos os seres naturais. O modelo que Jonas vai buscar para custear o que vem a ser uma ética ambiental sui generis é a teoria da evolução de Darwin, que aprende com a biologia. No entanto, Jonas molda-o ao seu intento filosófico específico. Em Darwin, a evolução não é teleológica; em Jonas, sim. Darwin não extrapola para a ética domínios de observação biológica; Jonas vai buscar a teoria da evolução, precisamente para fundar uma nova ética para a humanidade. Eis, resumidamente, a teoria da evolução, segundo Jonas: 1. Transcendência: a mente “adormecida” na matéria inanimada: “A matéria, desde o momento inicial, é mente adormecida. (...) A primeira verdadeira causa, a causa criativa da mente adormecida só pode ser a mente desperta.” 2. Metabolismo: “O metabolismo, substrato básico de toda a existência orgânica, já irradia liberdade.” O metabolismo é a mais básica forma de vida e, consequentemente, onde tem início a luta pela sobrevivência. 3. Vida: necessidade e liberdade – mortalidade. 4. Consciência animal: sofrimento e prazer. “A existência animal é essencialmente uma existência apaixonada.” 5. Moralidade: o homem. “Para enfrentar este problema, deve ser desenvolvida uma nova concepção dos seres humanos, que tenha em conta a sua unidade mente-corpo, graças à qual eles são, por um lado, parte integrante da natureza e, por outro lado, uma extensão dela.”
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