Sou livre, logo morro em MORTALIDADE E MORALIDADE
(Hans Jonas)
“Mas porque é que o Dasein tem de estar sempre preocupado com alguma coisa e, em última análise, consigo mesmo? A resposta: porque sem esta preocupação o Dasein pereceria, uma vez que está constantemente exposto ao nada” (todas as passagens de Jonas são por mim traduzidas muito livremente). Com o primeiro sinal de vida, o metabolismo, surge a primeira forma de liberdade, expressa numa evidência puramente física. Esta forma de liberdade é ainda muito incipiente, é certo, mas é a primeira porta que se abre a um sem fim de possibilidades que se revelam com o tempo, na evolução biológica e ontológica. A primeira forma de liberdade é o primeiro modo de ser. Um ser simples, que luta pela sobrevivência através da troca com o mundo, tendo para isso que sair para o mundo, libertando-se, abrindo-se, e simultaneamente expondo-se, correndo riscos.
A liberdade da vida, assim que se efectiva, transforma-se em necessidade de se manter vivo. Esta necessidade é já consciência de mortalidade, uma vez que se não for mantida a troca com o mundo, deixa de haver metabolismo e a vida volta a dar lugar ao nada. “Então, esta primeira aparição do princípio da liberdade na sua forma-objecto nua e elementar significa o rompimento do Ser para uma plêiade ilimitada de possibilidades, estendendo-se para os desígnios mais longínquos da vida subjectiva e resumindo-se no seu todo sob a rubrica ‘liberdade’.”
Estamos deste modo, desde o primeiro momento, face a uma existência necessária e precária. Necessária por um princípio de não-contradição. Precária porque constantemente exposta ao nada, finita, mortal. É condição do que nasce, morrer. A vida perdura, mas os indivíduos perecem. Jonas não nos pretende imortais. Pelo contrário, o filósofo encontra na mortalidade uma necessidade da vida, e consequentemente a necessidade de um cuidado da e pela vida: “E a existência afirmou a sua existência como uma preocupação.” A mortalidade é então condição de vida. Jonas vê nisto uma contradição necessária. Podemos mais simplesmente afirmar que é natural que assim seja.
Viver contra a morte causa ansiedade, angústia, para utilizar um termo tipicamente heideggeriano. É a reflexão sobre este sentimento que leva Jonas a procurar um outro sentido para a vida, que não a constante luta pela sobrevivência, tendo consciência (ao nível do ser humano, pelo menos) de que um dia há-de voltar a ser nada. E mais uma vez os caminhos entre os dois filósofos se separam, surgindo a crítica mais feroz de Jonas a Heidegger. O segundo foi incapaz de passar da ontologia à ética. Esqueceu-se de estender o cuidado à vida, enquanto comunidade de vida: “ Mas Heidegger nunca trouxe a questão acerca do Ser – como é que, nomeadamente, o Ser contem e mantém o humano e o que é que, através disso, revela acerca de si próprio – tudo isto em correlação com o testemunho da nossa evolução física e biológica.”
Liberdade e mortalidade são duas categorias metafísicas que antecipam o ser humano. Estes valores atribuídos à natureza, humana e não humana, são factores decisivos para a reflexão ética que Jonas empreende.
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