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Linguagem e liberdade a partir de Herder e Kant II
(Herder; Kant)

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2.O poder das palavras. Herder faz questão de marcar a superioridade humana. A dado momento do seu Ensaio sobre a origem da linguagem , a marca está impregnada de romantismo, de sensibilidade: “Tudo nele me indica a criatura fraca e, no entanto, poderosa, que tem necessidade do universo inteiro, que se envolve em permanente guerra e paz com todas as coisas, que depende de tudo e, apesar disso, tudo domina”.
Em Kant também existe uma natureza providente, que terá sabido como compensar o homem pelas suas fragilidades físicas e instintivas. Mas enquanto a natureza de Herder dota o homem com uma arma poderosa de construção e dominação do universo, e é esse o fim, a natureza kantiana age como se soubesse que o homem tem um caminho traçado, através da história, para a felicidade, para a vida em paz perpétua. Parece que enquanto o homem de Herder é feliz na labuta do dia a dia, na busca de mais poder sobre o próximo, no deslumbramento de mais uma invenção, de mais um instrumento de adaptação e ao mesmo tempo de alargamento da sua esfera de actividade, o homem de Kant vive em sofrimento. Ele é razão e sensibilidade. Equilibrar estas duas forças da natureza humana é a grande obra interior do homem, o derradeiro esforço rumo à paz, consigo mesmo e, consequentemente, com os seus vizinhos.
A teleologia de Kant fundamenta-se numa esperança na melhoria do homem como um todo, na plena utilização de todas as suas faculdades. Enquanto Herder enaltece o ser humano com uma visão optimista da conduta do homem ao longo da história, Kant continuamente critica o homem, aponta os caminhos errados e abre espaço para um rumo mais correcto, mais sensato. Parece que o homem de Herder é o melhor, ao passo que o de Kant… O certo é que Kant pensa que o homem está longe de ser o melhor, no seu género, embora seja o único do seu género conhecido à face da terra, até agora. Diz o filósofo, na obra A paz perpétua e outros opúsculos : “Somos civilizados até ao excesso, em toda a classe de maneiras e na respeitabilidade sociais. Mas falta ainda muito para nos considerarmos já moralizados”.
Temos assim duas concepções de poder: uma vai no sentido da dominação da natureza, a outra vai no sentido do autodomínio.
Para Kant, o homem é um ser social e insociável. A natureza assim o quis, com “uma inclinação para entrar em sociedade, porque em semelhante estado se sente mais como homem, isto é, sente o desenvolvimento das suas disposições naturais” ( A paz perpétua …) e, antagonicamente, com uma “inclinação para exercitar a resistência contra os outros”. É este antagonismo que gera cultura e desenvolvimento e também a guerra. Ora, levada às últimas consequências, a guerra pode destruir os homens sem deixar nem um sobrevivente para contar a história. Temos por isso a linguagem do direito: “O maior problema do género humano, a cuja solução a natureza o força, é a consecução de uma sociedade civil que administre o direito em geral” ( A paz perpétua …).
O poder da linguagem é também o poder de sonhar, de criar, de imaginar, de pensar. Contra o poder que restringe ao homem a liberdade de expressão, o mesmo homem responde em silêncio com a liberdade do pensamento, que mais não é do que linguagem interior. No entanto, segundo Kant, ao retirar ao homem a liberdade de expressão, o regime que o fizer elimina simultaneamente a liberdade de pensar: “É verdade que se diz: a liberdade de falar ou de escrever poderia ser-nos tirada por um poder superior, mas a liberdade de pensar não nos pode ser tirada. Mas quanto e com que justeza pensaríamos nós, se ao mesmo tempo não pensássemos em comunidade com outros aos quais comunicamos os nossos pensamentos e eles nos comunicam os seus! Por conseguinte, pode bem dizer-se que aquele poder exterior que rouba aos homens a liberdade de comunicar publicamente os seus pensamentos, tira-lhes também a liberdade de pensar”.
Se o poder da linguagem é o poderdo homem sobre a natureza, será que ele é efectivamente um poder? Será que nos tornámos totalmente poderosos, controladores dos fenómenos naturais, ao ponto de garantirmos a nossa vivência cósmica com meios suficientes ao nível do bem-estar físico e intelectual?
Acabo este capítulo com uma citação de André Leroi-Gourhan, extraída do livro O gesto e a palavra , porque o poder da linguagem é também o poder de fazer e deixar pensar: “É, pois, preciso conceber um homo sapiens totalmente transposto, sendo quase certo estarmos a assistir às últimas relações livres entre o homem e o mundo natural. Uma vez liberto dos seus utensílios, dos seus gestos, dos seus músculos, da programação dos seus actos, da sua memória, liberto da sua imaginação devido à perfeição dos meios teledifundidos, liberto do mundo animal, do mundo vegetal, do vento, do frio, dos micróbios, do desconhecido das montanhas e dos mares, o homo sapiens da zoologia está, muito provavelmente, perto do termo da sua carreira”.



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