O vendedor de palavras
(Fábio Reynol)
Ao se deparar na tevê com
uma escritora lamentando a falta de palavras, resultado de pouco leitura nesse
país, ele teve a idéia. Pegou o dicionário, uma cartolina, uma mesa e foi pro
mercado disputar espaço com os camelôs.
Ao lado de uma senhora que
tirava pressão por um módico preço ele estendeu a cartolina: “Histriônico – apenas
R$0,50”.
Horas depois aparece o
primeiro.
— O que o senhor está
vendendo? — Palavras. Como pode ver na
placa, a promoção do dia é histriônico a cinqüenta centavos.
— O senhor não pode vender
palavras. Elas não são suas. Palavras são de todos.
— O senhor sabe o significado de histriônico?
— Não.
— Então o senhor não a tem. Não vendo algo que as pessoas já têm ou coisas de
que elas não precisem.
— Mas eu posso pegar essa palavra de graça no dicionário.
— O senhor tem dicionário em casa?
— Não. Mas eu poderia muito bem ir à biblioteca pública e consultar um.
— O senhor estava indo à biblioteca?
— Não. Na verdade, eu estou a caminho do supermercado.
— Então veio ao lugar certo. O senhor está para comprar o feijão e a alface,
pode muito bem levar para casa uma palavra por apenas cinqüenta centavos.
— Eu não vou usar essa palavra. Vou pagar para depois esquecê-la?
— Se o senhor não comer a alface ela acaba apodrecendo na geladeira e terá de
jogá-la fora e o feijão caruncha.
— O que pretende com isso? Vai ficar rico vendendo palavras?
— O senhor conhece Nélida Piñon?
— Não.
— É uma escritora. Esta manhã, ela disse na televisão que o País sofre com a
falta de palavras, pois os livros são muito pouco lidos por aqui.
— E por que o senhor não vende livros?
— Justamente por isso. As pessoas não compram as palavras no atacado, portanto
eu as vendo no varejo.
— E o que as pessoas vão fazer com as palavras? Palavras são palavras, não
enchem barriga. — A escritora também disse que cada palavra corresponde a um pensamento. Se
temos poucas palavras, pensamos pouco. Se eu vender uma palavra por dia,
trabalhando duzentos dias por ano, serão duzentos novos pensamentos cem por
cento brasileiros. Isso sem contar os que furtam o meu produto. São como
trombadinhas que saem correndo com os relógios. Olhe aquela senhora com o
carrinho de feira dobrando a esquina. Com aquela carinha de dona-de-casa ela
nunca me enganou. Passou por aqui sorrateira. Olhou minha placa e deu um
sorrisinho maroto se mordendo de curiosidade. Mas nem parou para perguntar. Eu
tenho certeza de que ela tem um dicionário em casa. Assim que chegar lá, vai
abri-lo e me roubar a carga. Suponho que para cada pessoa que se dispõe a
comprar uma palavra, pelo menos cinco a roubarão. Então eu provocarei mil
pensamentos novos em um ano de trabalho.
— O senhor não acha muita pretensão? Pegar um...
— Jactância.
— Pegar um livro velho...
— Alfarrábio.
— O senhor me interrompe!
— Profaço.
— Está me enrolando, não é?
— Tergiversando.
— Quanta lenga-lenga...
— Ambages.
— Ambages?
— Pode ser também evasivas.
— Eu sou mesmo um banana para dar trela para gente como você!
— Pusilânime.
— O senhor é engraçadinho, não?
— Finalmente chegamos: histriônico!
— Adeus.
— Ei! Vai embora sem pagar?
— Tome seus cinqüenta centavos.
— São três reais e cinqüenta.
— Como é?
— Pelas minhas contas, são oito palavras novas que eu acabei de entregar para o
senhor. Só histriônico estava na promoção, mas como o senhor se mostrou
interessado, faço todas pelo mesmo preço.
— Mas oito palavras seriam quatro reais, certo?
— É que quem leva ambages ganha uma evasiva, entende?
— Tem troco para cinco?.
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