Chão em chamas
(Juan Rulfo)
Juan Rulfo escreveu apenas duas obras, sendo o romance Pedro Páramo (1955), e os contos de Chão em Chamas (1953), mas que foram suficientes para lhe concederem o mérito de ser considerado um dos mais importantes escritores latinos de todos os tempos, sendo diversas vezes objeto de estudo e sendo quase uma unanimidade no meio literário mundial. No primeiro conto, “E nos deram a terra”, a terra supostamente devoluta, no contexto da Revolução, é pobre, é seca, e segundo a narrativa: “a chapada não é coisa que sirva. Não há coelhos nem pássaros. Não há nada (...) tanta e tamanha terra para nada, (...) Porque nos deram esta crosta de terra seca e dura que nem pedra para a gente semear?”.Inicia-se a construção de idéia de pobreza que passará por todo o livro. No conto intitulado “É que somos muito pobres” é que percebemos de maneira contundente essa característica, porém em diversos outros encontramos passagens que nos remetem uma família descrita pelo autor: após uma enchente, essa família muito pobre perde seu único bem, uma vaca e seu bezerro, que serviriam ao menos de dote para o casamento de sua filha mais nova, visto que as duas mais velhas já haviam se entregado à prostituição. Diz a narrativa:
“Segundo papai, elas tinham se perdido porque éramos muito pobres lá em casa e elas eram muito rebeldes”.A perda da vaca levaria a família a miséria total, e a filha mais nova também por necessidade, viria a se prostituir.A maneira banal como o escritor nos descreve a passagem final do conto nos dá a nítida noção de “normalidade” com a qual o narrador nos conta a derrocada de sua família, chegando a causar um certo mal estar. A fome, conseqüência da pobreza também é constante, como por exemplo, no conto “O homem”, quando a personagem não se assusta ao assistir a fome de um fugitivo: “Chegou-se na mais gorda das minhas borregas e com suas mãos feito tenazes agarrou-as pelas patas e sorveu seu mamilo. Daqui dava pra ouvir os balidos do animal; mas ele não soltava, continuava chupa que chupa até se fartar de mamar”.
Mais uma menção à fome é feita no conto “Passo do Norte”, quando o personagem abandona sua família em busca de melhores condições ao norte do país, que apesar de estar participando do processo pré-revolucionário, apresentava um forte contraste de condições, devido a sua industrialização em oposição a total ruralização do sul. Diz o homem: “Semana passada não conseguimos nem ganhar pra comer, e na antepassada só comemos daquele matinho chamado bredo. Tá todo mundo com fome, pai; o senhor nem passa perto disso, porque vive bem”.Fica evidente a pobreza, alem da contradição social, visto que o pai ao que parece não passa fome.
A miséria, como fator social leva de algum modo a uma espécie de consciente coletivo, de pessoas que sofrem do mesmo mal e que se unem em busca de uma transformação, uma justiça social. Indígenas e camponeses se unem a operários para reivindicar cada um a sua maneira, o fim dessa miséria em comum. Esse fenômeno cria uma imagem de pobreza que se concretiza em diversos meios culturais alem da literatura. No conto “Luvina”, é descrito este local muito triste, onde um homem que lá viveu tenta convencer um outro que lá precisa chegar que essa atitude o levará ao inferno. A pobreza de Luvina está na falta de esperança que o lugar representa no conto. “Luvina é um lugar muito triste. (...) Um lugar moribundo onde morreram ate os cães e já não há nem quem ladre para o silencio” Sendo assim, as passagens que se referem àmorte são varias no decorrer de Chão em Chamas, aparecendo em diversos contos como, por exemplo, em “A colina das Comadres”, que a todo o momento referenciam aos Irmãos Torricos, personagens mortos pelo narrador.
A morte, quase uma questão de honra, deveria ser digna, assim como a necessidade de matar se mostrava às vezes inevitável. No conto que dá nome ao livro, “Chão em Chamas” em uma ação revolucionária contra o governo, um descarrilamento de trem deixa inúmeros mortos, o que teria “bicado a crista do governo (...) juntaram os corpos com pás e os faziam rolar como troncos até o fundo do barranco, e quando o montão ficava grande, empapavam tudo com petróleo e tocavam fogo”. Em “Diga que não me matem”, um personagem ao ameaçar o outro diz: ”sua nora e seus netos vão sentir sua falta (...) irão olhar sua cara e vão achar que não é você. Vão pensar que você foi comido por um coiote, quando virem essa sua cara tão cheia de furos de tantos tiros de misericórdia que deram em você” Mais uma vez a morte aparece, e dessa vez é anunciada.Já em outro momento, no conto intitulado “A herança de Matilde Arcangel”, a personagem que cai de um cavalo é enterrada e tem sua agonia descrita minuciosamente pelo narrador:sua carne já estava começando a secar, convertendo-se em casca por causa de todo o suco que tinha saído dela durante o tempo inteiro que a desgraça durou.(...). A obra de Juan Rulfo nos oferece então uma infinita e deliciosa fonte de possibilidades de se enxergar as imagens do cotidiano mexicano de inicio do século XX, e nos transporta àquele ambiente tão hostil e precário, em contradição com a elite que seria responsável por aquela situação.
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