A Hora da Estrela
(Clarice Lispector)
A Semana da Arte Moderna (1922) iniciou oficialmente o Modernismo Brasileiro. Neste estilo literário “prevalecia o interesse pelo tema social e coletivo. O romance regionalista funcionava para a intelectualidade brasileira como um instrumento precioso de revelação do país” (Bosi, 1994:23).
Autora de romances introspectivos, que buscava revelações psíquicas dos seus personagens, “Clarice Lispector vai manter contraste com essa literatura” (Guidin,13). Nos seus textos, o uso intensivo do discurso indireto livre “para captar o pensamento das personagens faz quase desaparecer a história propriamente dita” (Bosi, 1994:23). Seus textos estão mais próximos da poesia que da prosa modernista.
Devido à falta de engajamento com a onda regionalista da época, Clarice foi acusada por alguns críticos de escritora alienada. Seu estilo, entretanto, inaugura um terceiro momento no Modernismo. “Clarice Lispector, ao desviar-se do romance da seca, propõe uma visão temática e expressional (...). O romance deixa seu modelo tradicional (...) para registrar a problematização estética da linguagem, discutindo, assim, os próprios limites do gênero” (Bosi, 1994:25).
Ainda assim, como resposta às críticas, Clarice publica o romance “A Hora da Estrela”, que denuncia todo o contexto social brasileiro: “A existência de Macabéa (personagem principal) revela a reflexão da escritora sobre a migração do nordestino e sua adaptação ao eixo urbano do sul do país” (Guidin, 1998:56). Sem dúvida, é um “texto para as patrulhas ideológicas não botarem defeito” (Sperber, 1983:154). Ao transferir a personagem de sua terra natal, Alagoas, para o Rio de Janeiro, a autora “retrata o problema da migração e da absorção enviesada e cruel do nordestino ao meio urbano do sul do país, onde ele se defronta com outros valores socioculturais” (Guidin, 1998:49): “A pessoa de que vou falar é tão tola que às vezes sorri para os outros na rua. Ninguém lhe responde o sorriso porque nem ao menos a olham” (p. 15-16).
Para contar a história de Macabéa, Clarice permanece fiel ao seu modo de narrar, e a sua postura experimentalista de vanguarda. Preocupada com a estética da linguagem, “o autor da obra, Rodrigo, discute obsessivamente estilo e formas de narrar Macabéa” (Bosi, 1994:25): “História exterior e explícita, sim, mas que contém segredos – a começar por um dos títulos (...) Se em vez de ponto fosse seguido por reticências o título ficaria aberto a possíveis imaginações vossas” (p. 13).
Toda a narrativa da obra é engendrada pelo fluxo de consciência do “autor”, e por metáforas insólitas: “Cerzideirinha mosquito. Carregar em costas de formiga um grão de açúcar. Ela era de leve uma idiota, só que não o era.” (p.26). O texto também é enriquecido com recursos metafóricos como a pintura e a música: “a “Hora da Estrela” busca ser uma pintura” (Pereira, 1998:27): “escrevo em traços vivos e ríspidos de pintura” (p.17). Na dedicatória do autor encontramos os nomes de alguns dos maiores clássicos da música erudita: “A música é evocada (...) nos lugares inacessíveis à palavra, tal como para escrever a experiência da dor” (Pereira, 1998:27): “A dor de dentes que perpassa essa história deu uma fisgada funda em plena boca nossa. Então eu canto alto agudo uma melodia sincopada e estridente – é a minha própria dor” (p. 11).
Clarice Lispector encerra a trajetória de Macabéa de forma frustrante e brutal. No final da história, Macabéa paga caro a ousadia de desejar. “Paradoxo, ironia e crueldade fundem-se na apoteose de sua morte” (Pereira, 1998:26). Macabéa é atropelada por um dos símbolos do mundo moderno: um automóvel importado. “Macabéa morre só e ignorada, esmagada pelo mundo urbano que não conquistou” (Guidin, 1998:26). Com esta obra, a autora conseguiu calar os críticos que a chamavam “alienada”, mostrando interesse pelo tema social e coletivo, e retratando de forma original e implacável a realidade nordestina (brasileira): “Como a nordestina, há milhares de moças espalhadas por cortiços, com vagas de cama num quarto, atrás de balcões trabalhando até a estafa. Não notam sequer que são facilmente substituíveis e que tanto existiriam como não existiriam.” (p. 14)
Milena 25
Bibliografia:
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.
GUIDIM, Márcia Lígia. Roteiro de Leitura: A Hora da Estrela de Clarice Lispector. São Paulo: Ática, 1998.
LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro : Rocco, 1998.
PEREIRA, Mário Eduardo Costa. Leituras de Psicanálise. Práticas de Exclusão. ALB / Mercado Aberto, 1998.
SPERBER, Suzi Frankl. Jovem com Ferrugem. In: SCHWARZ, Roberto, org. Os pobres na literature brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1983.
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