Resumo de A face perdida - Ana Maria Ferreira Leandro

A face perdida Era um garoto de no máximo cinco anos. Vinha contente da vida, fazendo acrobacias desde o início da rampa da passarela, que eu atravessava em sentido contrário no meu jeito de observar o mundo à minha volta. Girando como um pião sobre os braços estendidos, o garoto mais pareça um acrobata de circo, talentoso demais para a pouca idade. Como fundo musical de sua apresentação artística, emitia gritos de prazer na brincadeira. De súbito, ao me divisar no tope da rampa em um de seus giros mirabolantes, parou erecto à minha frente. Até então ele não me havia visto e ao constatar minha presença, parecia subitamente passar por uma incrível transformação. Toda a alegria do menino desaparecera miraculosamente, da expressão facial e corporal. Pendeu os braços, como se fossem trapos caindo ombro abaixo. Na boca se desenhou um rito de tristeza e os olhos se quedaram semiabertos.Foi quando escutei uma voz, que nem parecia do mesmo garoto que antes emitia trinados de alegria. Com voz implorante, quase sumida, suplicou: "- a senhora me dá um trocado, para minha mãe comprar remédios para mim? É que estou muito doente..." Seus vigorosos cinco anos, pareciam repentinamente terem se multiplicado para cem! Era cruel vê-lo tornar-se um velho, na caricatura de uma farsa que lhe ensinaram, para pedir esmolas. A criança perdera a face da infância... Menino, onde foi que você perdeu a face de sua infância? Terá sido na omissão de um pai, que ignora a responsabilidade da paternidade? Será que você conhece seu pai? Ou pelo menos, será que sua mãe "sabe quem é seu pai"? Sabe menino, às vezes me pergunto, quanto custa a todos nós a perda da sua face. E quanto termos que pagar para reavê-la. A sociedade não tem conseguido recuperar a sua face. E uns trocados de esmola, definitivamente, não pagam essa dívida. O custo é grande, porque pouco se faz para evitar esta perda. Cidadania, trabalho honesto, repúdio à corrupção, cumprimentos de deveres civis e humanos, escolha mais consciente de governantes, não reeleição de políticos que demonstraram não merecer credibilidade e respeito ao erário público, seriam medidas preventivas, mas para isto seria necessário mais educação. A necessidade de se construir presídios é proporcional à falta de escolas. E o professor o último a merecer qualquer tipo de incentivo ou reconhecimento. Primeiro os donos do poder e das armas. Depois os profissionais que educam e formam as "pessoas". É preciso, menino acrobata da vida, que aqueles que estão no poder tenham consciência, de que a defesa de interesses pessoais, à custa da sua face, resulta no risco de encontrá-lo logo mais à frente, a assaltá-los ou tirar-lhes a vida, na máscara da violência cruel que você lhes devolve à sua maneira. Menino, não consigo imaginar, como é que todos aqueles que lhe roubam a infância, a escola, a saúde, o teto e a proteção a que você tem Direito Constitucional, conseguem se olhar no espelho. Eles lhe roubam o rosto de criança,mas provavelmente também já perderam a própria face.(Direitos Autorais Biblioteca Nacional/Brasil Reg. 390.002 - Ana Maria Leandro)

Resumos Relacionados