Alienação nas Sociedades Industriais Avançadas
(Pedro de La Rocque)
Alienação nas Sociedades Industriais
Avançadas
Pedro de La Rocque
Nosso atual
nível de desenvolvimento tecnológico posiciona-nos à beira do que Marx chamou de
abolição do trabalho e Marcuse de pacificação da existência -
instante antevisto por ambos a partir do qual as necessidades humanas,
tanto materiais quanto assistenciais, seriam supridas pelo aparato tecnológico
automatizado. Contudo, a estrutura social empregada na etapa de desenvolvimento
da civilização rumo a esse objetivo resiste à subversão necessária para a
implantação do eticamente subseqüente Estado de Assistência Social -
fenômeno que se dá por conta daqueles que usufruem das regalias de sua posição
e função privilegiadas dentre as demais engrenagens da amálgama de homens e
suas tarefas. Os Estados, exceto em casos de interferência popular, tendem a
adquirir traços plutocráticos os quais levam, por sua vez, às cleptocracias
atuais.
É extensa a bibliografia
do século XX que debruça-se sobre a organização sociopolítica mundial após o
advento da bomba atômica. Na obra de Marcuse, Orwell e Huxley a ameaça nuclear
exerce poder coercivo sobre a população, a qual submete-se, acalentada pela
promessa de proteção estatal, a uma espécie de regime emergencial na qual todos
cumprem suas tarefas para o bem comum sem questionar o processo como as coisas
se dão.
Os autores
citados viram o surgimento da ameaça cataclísmica e daí procederam com suas
teorias. Hoje, a risco de aniquilarmo-nos a qualquer instante permanece e
aumenta, mas já não é novidade. Tornou-se algo como uma nuvem escura e
sorrateira que cobre-nos os pés há muito, e com a qual já aprendemos a conviver
ingnorando-a até certo ponto ou até completamente. A sua função coerciva,
entretanto, ainda é vital para a manutenção do sistema tal qual está e,
atualmente, cabe principalmente à mídia. Jornais, revistas, televisão e demais
meios não-interativos ameaçam incessantemente expondo-nos a crimes dos mais bárbaros
cometidos por marginais contra cidadãos legítimos – os quais, indefesos
e desarmados, dependem da Polícia. São estimulados, então, aspectos de
auto-preservação do homem que leva-nos, todos, a seguirmos em frente produtivos
e calmos, fazendo vista grossa a questões que ameaçam-nos diretamente por duvidarmos
de nossa capacidade de protegermo-nos.
O atrito entre
proletariado e burguesia tal qual descrito por Marx é cada vez mais atenuado
pelo progresso tecnológico. O proletário da época da "Ideologia Alemã"
e do "Manifesto Comunista" de fato vivia em condições absolutamente
inaceitáveis e revoltantes. Hoje, o homem pobre tende a docilizar-se,
contentar-se com a satisfação de suas necessidades básicas e de um ou outro
apetite consumista. Levando em consideração que as sociedades industriais
avançadas organizam seus membros e seus meios antevendo as maneiras específicas
de utilizar o homem e a natureza, percebe-se que o sistema vigente molda o
cidadão a nível tão íntimo que passa a determinar as necessidade e aspirações
individuais. Logo, não há perspectiva de revolta. No máximo, há revindicações
de ordem sindicalista que logo são resolvidas. Os próprios operários não
desejam a mudança do sistema, exigem apenas uma melhoria ou outra, uma vez que
compartilham do mesmo ideal alienado de bem comum da nação cujo avanço a todos
seus filhos haveria de beneficiar.
Aldous Huxley,
em seu “Admirável Mundo Novo”, descreveu uma distopia de hordas,
pré-condicionadas desde a concepção, mantidas em estase mental por meio de um
sistema que garante a satisfação de todo apetite instintivo que acomete o
indivíduo humano. Sendo o nihilismo hedonista, assim, a norma vigente, os
homens, numa realidade sem dor, pobreza ou crime, jamais despertam de seu
consensual apego ao prazer pelo prazer. Diferente da cultura cativa e
amedrontada, do rosto sob a bota de Orwell, Huxley teme um futuro frívolo –
todos entorpecidos em meio a orgias e bugingangas, enchendo-se de soma ao
primeiro sinal de angústia. Sem angústia, não há perguntas. Sem perguntas, não
há mudança. A vida, desprovida de sentido, acha justificativa no gozo infantil.
Na sofredora Oceania
de “1984”, assim como provavelmente era na Lestásia e na Eurásia, o sexo era
tratado de forma aparentemente inversa àquela do mundo Fordista: aceitável
apenas como ato reprodutivo, insosso; meninas incentivadas a aliarem-se à Liga
Anti-Sexo; pesarosa fornicação semanal sob inspeção da teletela. Contudo, ambos
os sistemas compartilham como objetivo a inviabilização do amor romântico e da
geração de vínculos sólidos e exclusivos entre dois indivíduos. Diferenciam-se,
de fato, na eficácia: enquanto o Grande Irmão e sua trupe arrancam apaixonados
infratores do leito ao chão, a sociedade de Huxley recorre ao condicionamento à
promiscuidade como meio para prevenir o próprio surgimento de qualquer laço
sólido – todos são treinados desde a infância em jogos sexuais como treinamento
para uma vida de promiscuidade.
Em uma série
de cartas trocadas entre Huxley e Orwell, ambos concordam quanto ao seguinte: o
regime opressor viria primeiro para, posteriormente, dar lugar ao homem feliz e
alienado. Parece-me uma transição bastante semelhante àquela da fé ideológica e
opressão castrativa da Igreja à era da razão empírica, na qual o homem,
desprovido de valor por sí só, preenche com o hedonismo o novo vazio que surgiu
onde, outrora, residira o temor a um suposto criador punitivo.
Coforme
previsto em seu artigo “The Coming Technological Singularity”, o professor e
cientista Vernor Vinge faz a seguinte analogia: “os animais podem adaptar-se a
problemas e construir invenções, mas não mais rápido do que a seleção natural,
por meio da qual o mundo é sua própria simulação”. Afirma, então, que nós,
humanos, desenvolvemos a capacidade de internalizar o mundo e, calcados no
pensamento hipotético, solucionamos problemas muito mais rápido do que a
seleção natural. Agora, construindo os meios para a execução dessas simulações
em velocidades muito superiores, estamos adentrando um regime tão radicalmente
diferente de nosso passado humano quanto nós, homens, somos de animais
inferiores.
William
Gibson, escritor responsável pelo advento do conceito de “ciberespaço”, em
pleno usufruto de sua perspicácia, observou que a humanidade sente-se mais
confortável com uma versão anterior dela própria, projetando sobre sí ideais
implantados pela sociedade em geral, suas circunstâncias, e especialmente pela
mídia. Como comprovação, basta assistir a não mais que dez minutos de televisão
para notar que a enorme maioria de vídeo-propagandas tem locação em espaços
idílicos, casinhas suburbanas e cerquinhas brancas, francamente incoerentes com
a realidade urbana de mais que a metade de nossa espécie.Estamos
avançando em uma progressão geométrica, desenvolvendo mais e mais da tecnologia
necessária para suprirmos todas nossas necessidades numa vida de fartura,
livres de doenças e misérias tais quais as conhecemos. Entretanto, se não
aproveitarmos esse feliz instante de nossa evolução sabiamente, se insistirmos
em não permitir a reorganização e adaptação naturais à evolução social, a
iminência da singularidade de Vinge pode vir a tornar-se nossa própria ruína.NOTA DO AUTOR:Àqueles que se utilizarem deste meu trabalho ou que nele encontrarem base para algum texto próprio, peço apenas que, por gentileza, incluam o link para este artigo dentre os demais itens de vossas bibliogafias. Agradeço francamente.
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