Implantação de um algoritmo para terapia nutricional enteral em crianças e adolescentes com câncer:
(Adriana Garófolo)
O câncer é uma doença catabólica, em que o tumor maligno atua de forma a consumir as reservas nutricionais do hospedeiro, levando ao prejuízo nutricional. Alterações nutricionais também podem ocorrer em decorrência do tratamento. Entre elas, a desnutrição (DEP) se destaca como o distúrbio mais importante, geralmente associada à intensidade da terapia antineoplásica, com efeitos negativos sobre a função gastrintestinal, além de outros. Os agentes quimioterápicos utilizados em altas doses, com freqüência induzem à anorexia, náuseas e vômitos intensos, diarréia, constipação, má absorção de nutrientes e mucosites. Além disso, pode ocorrer dor no local do tumor que, indiretamente, pode interferir na alimentação. Apesar desses aspectos, estudos avaliando a terapia nutricional nesses pacientes são escassos no Brasil. Os dados da experiência no Instituto de Oncologia Pediátrica (IOP) com 145 crianças e adolescentes que iniciaram tratamento entre os anos de 1998 e 2000 e foram acompanhadas pela equipe de nutrição, mostraram que entre as 79 crianças, observou-se 10% de DEP. Quando subgrupos de diagnósticos foram analisados, houve uma maior porcentagem de DEP entre crianças com tumores cerebrais (4/15; 27%) e neuroblastomas (3/12; 25%). A mesma avaliação realizada com adolescentes, segundo o índice de massa corpórea (IMC), registrou prevalência total de 32% de DEP, com maior porcentagem entre osteossarcomas (13/28; 46%). A mesma população foi avaliada para medidas de composição corporal: pregas cutâneas e circunferências (PCT, CB e CMB). A análise de 127 pacientes que apresentaram dados completos demonstrou maior percentual de déficit nos portadores de tumores sólidos não-hematológicos pela CB e CMB, quando comparados aos portadores de doenças hematológicas (leucemias e linfomas). A análise global também sugeriu que a PCT (40%) e a CB (35%) demonstraram maior percentual de déficit quando comparadas ao escore-z de P/E ou IMC (19%). O maior déficit nutricional em pacientes com tumores sólidos poderia estar associado ao catabolismo da doença, porém o uso de corticosteróides em pacientes com doenças hematológicas também aumenta esse risco. De forma geral, o maior risco para DEP durante o tratamento está associado à terapia com múltiplas drogas quimioterápicas em altas doses e sua combinação com radioterapia, principalmente abdominal ou pélvica. Determinados protocolos de tratamento, principalmente para alguns tumores sólidos, fazem uso de terapia antineoplásica muito agressiva, aumentando esse risco. O acompanhamento de 20 adolescentes portadores de osteossarcomas, após um programa de intervenção dietética, durante o mesmo período de estudo mostrou aumento na prevalência de DEP de 40% para 50%, logo no início do tratamento. Um aumento semelhante nas taxas de déficit ocorreu por meio da avaliação da PCT. Entretanto, o déficit observado de acordo com a CMB apresentou aumento de 15%, elevando-se de 55% para 70%. Não obstante, houve agravo do estado nutricional, com redução significativa na adequação do peso ideal. Provavelmente, esse efeito ocorreu como conseqüência do uso de quimioterápicos que prejudicam a ingestão alimentar e promovem perdas nutricionais renais e gastrintestinais importantes, principalmente vômitos intensos. Diante desses dados, em 2000 propôs-se o primeiro protocolo de recuperação nutricional por meio de suplementação oral, utilizando-se suplemento industrializado. Esse estudo teve como objetivo avaliar a resposta nutricional por oito semanas de oferta do suplemento, concomitante à orientação dietética, durante um acompanhamento semanal de pacientes com DEP grave ou leve. O estudo demonstrou, globalmente, que 18% dos pacientes corrigiram o peso e que as taxas de desnutrição caíram de 67% para 33%. Evolução nutricional significativa foi obtida entre portadores de doenças hematológicas e alguns tumores sólidos. Entretanto, pacientes com tumores ósseos demonstraram respostas menos animadoras, levando a crer na necessidade de novas propostas. Assim, após a análise desses resultados, em 2002 iniciou-se uma nova proposta, baseada na experiência no IOP e de alguns grupos internacionais, que recomendam a utilização de algoritmos para terapia nutricional. Desse modo, desenvolveu-se um algoritmo adaptado à realidade da nossa população, considerando aspectos sociais, econômicos e culturais dos pacientes, familiares e equipe clínica. Os objetivos foram descrever o algoritmo e mostrar os resultados globais obtidos após sua implantação. Foi um ensaio clínico prospectivo realizado com pacientes com câncer e desnutrição. O acompanhamento foi guiado por algoritmo, onde pacientes com DEP leve eram randomizados para suplementação oral industrializada (SOI) ou artesanal (SOA), reavaliados após três, oito e doze semanas. Dependendo da resposta no grupo SOI, indicava-se suplemento industrializado por sonda (SIS), mantinha-se SOI ou esta era suspensa. O grupo SOA com resposta positiva permaneceu com a mesma orientação; se negativa iniciou com SOI. Nos DEP grave, resposta negativa indicou SIS, positiva manteve SOI ou esta era suspensa no caso de eutrofia. A avaliação das respostas foi realizada por meio do P/E, IMC, PCT, CB e CMB. Os resultados mostraram que 117 de 141 pacientes completaram três semanas iniciais; 58 com DEP grave e 59 leve. Evolução nutricional positiva ocorreu em 41% dos DEP grave, em 97% dos DEP leve com SOI e em 77% dos DEP leve com SOA. Dos 117, 42 tiveram indicação de SIS; 23 usaram e 19 recusaram, mantendo SOI. Pacientes que usaram SIS apresentaram consumo de suplemento superior aos demais; o consumo de SIS também foi superior, quando comparado ao período anterior com SOI nos mesmos pacientes. O uso de SIS demonstrou melhorar o estado nutricional, com associação positiva entre sua duração e evolução nutricional. A conclusão do estudo foi que a SOI reduziu o déficit nutricional, principalmente resgatando o grupo de DEP leve. Os resultados também sugerem que a SIS favoreceu a recuperação nutricional, principalmente com o uso mais prolongado.
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