ELEIÇÕES IRAQUIANAS:MITO OU REALIDADE?
(pesquisa)
Eleições iraquianas: mito ou realidade?
As recentes eleições iraquianas tiveram um comparecimento expressivo e um clima de aparente normalidade, apesar das ameaças da guerrilha. Contudo, poucos analistas acreditam num caminho fácil rumo à democracia. Para uma compreensão equilibrada do processo, é necessário considerar algumas questões sobre a política iraquiana, a fim de evitar-se interpretações radicalmente pessimistas ou otimistas.
A primeira delas, é evitar comparar o Iraque com o "atraso" político vigente em outros países da região. O Partido Baas, do qual Saddam Hussein foi o último líder, era um movimento laico (não se baseava em conceitos religiosos), modernizador e socialmente progressista.
Se não promoveu a democracia concretamente e adotou mesmo formas autoritárias, afirmava ser defensor da participação popular na política. Jovens e mulheres foram juridicamente emancipados, a alfabetização, a urbanização e a industrialização foram estimuladas e os serviços sociais praticamente universalizados. Portanto, existe uma base social prévia para a construção de uma democracia. O regime era muito mais uma ditadura militar de um país que passou mais de duas décadas em guerra.
Evidente que ainda persistem estruturas sociais de clãs, que prejudicam a construção de uma sociedade civil nos moldes ocidentais, sendo o caminho ainda longo. Mas nada que se compare com as petromonarquias (aliadas do Ocidente), onde não há eleições, as mulheres não participam politicamente e os valores religiosos e patriarcais são políticas de Estado. Apesar de manipuladas, havia eleições no Iraque, com a participação das mulheres, muitas das quais eram deputadas no parlamento iraquiano. Além disso, o regime mobilizava a população, ao contrário das monarquias conservadoras.
O grande problema é que o pilar do anterior Estado iraquiano, a comunidade sunita e o partido Baas (que aceitava pessoas de qualquer etnia ou religião) foram excluídos do processo. Os curdos, por sua vez, gozam hoje de uma autonomia invejada por outros grupos. Já os xiitas do sul, que são o maior grupo do país e venceram as eleições, são uma incógnita. Desmobilizados e reprimidos por Saddam desde a Revolução Iraniana, pois Khomeini os incitava à rebelião, eles votaram na lista dos seus aiatolás. O primeiro ministro Alawi, um xiita que pertenceu ao partido de Saddam, não conseguiu muitos votos. Isto porque, apesar de detestarem o ex-ditador, eles igualmente são contrários à presença de tropas de ocupação americanas. Vale lembrar que há quase um ano eles se revoltaram e dominaram cinco cidades importantes.
A votação massiva não deve impressionar, pois a maioria da população é composta por funcionários públicos ou depende de ajuda governamental, e foi constrangida a votar, como nos tempos de Saddam (embora agora tenham podido escolher, ainda que dentro de certos limites). Mas o boicote foi grande e os problemas já começaram, pois as demais minorias não desejam um governo majoritariamente xiita.
Por outro lado, qualquer governo apoiado por tropas estrangeiras terá dificuldade em conquistar os "corações e mentes" iraquianos. Pior ainda, a incapacidade em melhorar a vida cotidiana da população e de dar-lhes empregos mantém a instabilidade interna. A ação da guerrilha contra a infra-estrutura contribui ainda mais para isso. Finalmente, se for adotada uma Constituição baseada em valores religiosos, será muito difícil disseminar valores democráticos.
Assim, as eleições têm mais a ver com a diplomacia americana do que com o Iraque propriamente dito. O presidente Bush necessita desengajar suas tropas do atoleiro iraquiano e buscar o apoio da ONU e dos europeus, e para tanto tenta criar alguma imagem de estabilidade e legitimidade, apresentando um interlocutor iraquiano confiável, capaz de administrar o país. Muitos afirmam que a democracia pode ser construída de fora para dentro, pois os EUA já o fizeram com o Japão e a Alemanha em 1945. Mas esses países haviam sido completamente derrotados, a economia americana era pujante (hoje não, com os déficits) e havia a Guerra Fria, que fazia com que as elites japonesa e alemã preferissem os EUA como um mal menor. Para completar, cabe a pergunta: os vizinhos do Iraque, sobretudos os aliados dos EUA, desejam realmente uma democracia nas suas fronteiras?
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